Mothra vs Godzilla (1964)
Duração – 89 minutos
Diretor – Ishiro Honda
Roteiro – Shinichi Sekizawa
Direção Efeitos Especiais – Eiji Tsuburaya
Idiomas – Japonês.
Música – Akira Ifukube
Fonte: IMDB
Esse vai ser o primeiro de uma série de reviews dos filmes de Godzilla para o site do Senpuu. O motivo desse ter sido escolhido Mothra vs Godzilla como o primeiro é o fato de ser a produção feita para homenagear os 10 anos de existência franquia. Além disso, é nesse filme que um dos monstros rivais mais clássicos aparece para lutar contra Godzilla e é o primeiro filme colorido no qual o Rei dos Monstros enfrenta alguém, o que é um marco para o personagem e seu legado na história do tokusatsu japonês.
Antes de falar da obra em si, vamos recapitular o contexto histórico do tokusatsu para o ano de 1964. Ainda em um estágio bem inicial no Japão, o tokusatsu não tinha nenhuma grande franquia transmitida na televisão além de Ninja Butai Gekko ou Phantom Agent (1964-1966). O maior rival, Gamera, só foi lançado em 1965, enquanto Magma Taishi e Ultraman começaram em 1966. Ou seja, a Toho reinava sem um claro concorrente em 1964 nos cinemas.
*Nota: A Toei já tinha seus tokusatsu, mas não possuía uma franquia de sucesso, com séries de apenas uma temporada até o fim da década de 60.
Vale lembrar que o lançamento deste filme quase coincide com o marco de 19 anos do fim da Segunda Guerra Mundial e mostra como os efeitos ou consequências desse conflito refletiram nas realidades e perspectivas das gerações que nasceram no final da 2ª Guerra e/ou após o conflito global e militar.
Como curiosidade, a Toho lançou um total de nove filmes entre 1954 e 1964 que fazem parte da franquia Godzilla ou têm personagens relacionados ao universo da franquia. São eles: Godzilla (1954), Godzilla Raids Again (1955), King Kong vs Godzilla (1962), Rodan (1956), Varan The Unbelievable (1958), Mothra (1961), Atragon (1963), Godzilla vs Mothra em abril de 1964 e Guidorah the Three Hedad Monster que foi lançado em dezembro de 1964. Cada um desses filmes inseriu um novo monstro no universo, sendo que, em 1955 foi introduzido Anguirus e em 1963 foi inserido o monstro Manda.
Voltando ao confronto entre Mothra e Godzilla, o início da produção é usado para inserir Mothra no país do Rei dos Monstros uma vez que, apesar de já ter tido um filme de origem em 1961, não havia relações diretas entre os dois personagens, mesmo que ambos tenham se originado em decorrência dos problemas causados por bombas nucleares.
A narrativa começa com uma inundação causada por um tsunami em um local denominado Kurata Beach, em uma cidade litorânea do Japão. Os jornalistas e fotógrafos que vão cobrir a catástrofe encontram uma pedra verde azulada boiando e decidem fotografá-la. Alguns minutos após a central de notícias receber notificação do desastre, a população do local percebe que em Nishi Beach apareceu um gigantesco ovo boiando na costa marítima e recrutam um time de pescadores para arrastar o ovo para praia sem quebrá-lo. Dr. Miura parece ficar encarregado de cuidar e inspecionar o objeto.
Os jornalistas Ichiro e Junko decidem abordar o doutor em busca de informações, porém, quando Miura começaria a investigar mais a fundo, aparece o empresário Kumayama que diz ter comprado o ovo dos pescadores da região e ter ficado com os direitos de pesquisa. Kumayama visita Torahata, um dos seus colegas de profissão, e os dois planejam construir um grande parque temático ao redor do ovo para servir de atração turística.
No entanto, durante a negociação, são abordados pelas pequenas ‘sacerdotisas‘ ou fadas que pedem o ovo de volta e Kumayama tenta capturá-las, mas elas escapam. Elas procuram a ajuda dos jornalistas para recuperar o ovo para o povoado de Infant Island, uma ilha nas redondezas do sul do Japão, que após a 2a Guerra Mundial teria sido região de testes nucleares e afirmam que o ovo gigantesco seria de Mothra.
De acordo com as fadas, os testes nucleares teriam causado grande desespero na ilha e Mothra seria vista como uma divindade que defende o local, mas, devido aos maremotos e tufões, seu ovo foi levado para o litoral japonês. Os jornalistas são então apresentados à “Mothra mãe”, que pousou na ilha para buscar o ovo e decidem visitar Kumayama e seu aliado para pedir o ovo de volta. O empresário se recusa a devolver, falando que é sua propriedade e somente um tribunal poderia retirar a posse dele.
Os jornalistas também tentam fazer com que as fadas convençam os empresários, mas eles as enxergam como um produto e tentam comprá-las sem sucesso. Ao anoitecer os jornalistas perdem as fadas de vista e as encontram na praia despedindo e agradecendo pela bondade deles, comunicam que vão retornar à Infant Island e pedem desculpas pelas pessoas não entenderem suas reais motivações.
Então, os jornalistas começam a publicar notícias para tentar convencer a população que o ovo deve retornar aos seus donos e os empresários iniciam uma campanha publicitária para convidar as pessoas para inauguração do parque temático, criando um dos conflitos do filme, que é a relação entre homem e natureza como lucro ou como harmonia.
A equipe do jornal local decide levar a pedra verde azulada que encontrou flutuando próximo ao ovo para o Dr. Miura que, com o contador Geiger, consegue medir altos níveis de radiação na pedra. A partir daí, o doutor decide ir ao local de construção do parque junto com a equipe de jornalistas para medir a radiação do lugar. Ao chegar geram uma certa desconfiança na população pois os habitantes não entendem o propósito da visita e então temos uma grande surpresa: Godzilla faz sua primeira aparição e ataca o complexo industrial da região e alguns dos castelos japoneses do período do Shogunato gerando pânico, caos e desordem.
Dada a situação os jornalistas têm a ideia fazer um voo para Infant Island e encontrar as fadas e seu povo e “pedir ajuda” a Mothra. O pedido é recusado no primeiro momento porque os habitantes os enxergam como culpados pela ilha ser vítima de testes nucleares. Ao encontrarem as fadas, eles conseguem convencer o povoado de que ajuda da mãe de Mothra seria seu último esforço e também um ato que poderia mostrar reconciliação entre o Japão e os habitantes da ilha.
Voltando ao Japão os empresários têm uma briga no hotel após a interrupção das obras do parque temático devido ao ataque de Godzilla e isso resulta na morte de Kumayama, enquanto o sócio pensa em fugir com o dinheiro. Godzilla aparece novamente e destrói o hotel onde os empresários estavam hospedados, atrapalhando a fuga e matando o outro empresário com o desabamento. O ovo, então, fica sem dono e mostra que todo esforço para tirar lucro dele foi em vão.
Após a destruição do hotel, o Rei dos Monstros parte para a cúpula que envolve o ovo e Mothra mãe chega para impedi-lo. Começa então o grande embate dos monstros gigantes. Durante o confronto, a cúpula é de fato destruída e o ovo fica vulnerável. A mãe mostra uma força física muito superior a de Godzilla, conseguindo proteger sua prole, no entanto é gravemente ferida e o exército chega para participar do combate e atacar Godzilla, mas apesar dos fortes choques, o monstro se levanta e revida com todas as forças.
O momento de clímax do filme é quando finalmente o ovo choca e revela os novos ‘filhotes’ de Mothra para o mundo. Enquanto isso, Godzilla decide atacar outra ilha onde estavam crianças em uma excursão. Os filhotes de Mothra seguem para o local e, em um grande trabalho em equipe, conseguem imobilizar o Rei dos Monstros e ajudar as crianças a escaparem a salvo. As fadas então retornam para Infant Island pegando carona nos filhotes que salvaram o Japão.
O fato do filme mostrar que Mothra teria origem no arquipélago misterioso e seria visto como uma criatura lendária ou mitológica pelo povo nativo, nos permite dois pontos de vista sobre as consequências que a radioatividade pode trazer a humanidade. Primeiro, na forma de destruição que é o caso de Godzilla e, por outro lado, a proteção e salvação que aquele pequeno povoado admira e enaltece em Mothra.
A ideia principal desenvolvida no filme de que Mothra não seria uma vilã e sim um monstro oposto a Godzilla, confirma essa visão de que o conflito entre eles seria resultado das diferentes relações que cada monstro tem com a humanidade. Mothra e seus descendentes, no universo da franquia, são vistos como criaturas mitológicas protetoras enquanto Godzilla como uma criatura destruidora despertada pela ação humana.
Lembrando, mais uma vez, que os poderes de ambos foram causados pela radioatividade, o que também nos leva à reflexão sobre as consequências do uso das tecnologias nucleares tanto para proteger quanto para devastar. Já a ação dos empresários que tentam ganhar dinheiro expondo o ovo de Mothra ao público representa uma crítica as pessoas que tentam lucrar a qualquer custo com os recursos naturais e festividades, sem se preocupar com as consequências para a comunidade ou população local.
Outra análise que a obra proporciona é das consequências dos testes nucleares para ecossistemas e pequenas comunidades que estejam próximas aos locais nos quais esses testes são realizados. Nesse sentido, o file deixa uma interrogação sobre o futuro do Japão, que se deve ao temor após a intensificação dos programas nucleares durante a Guerra Fria.
O filme traz a conclusão de que o Japão ou até o mundo se tornariam reféns das adversidades causadas pela radioatividade e que Mothra mostra a natureza reagindo aos estragos causados pela ação do homem, mas também é um elemento de suspiro ou esperança de uma possível e necessária reconciliação entre humanidade e natureza que ainda é possível e retratada como benéfica para ambos no século XX.
Mothra vs Godzilla nos leva a pensar como a preocupação ambiental e histórica que a franquia traz vai permanecer na trama da história gerando em seus filmes questionamentos e possíveis conclusões sobre a relação do homem com a natureza e seu possível equilíbrio e reconciliação restaurados dependendo da vontade humana de entender a necessidade dessa harmonia.