A lenda urbana dos índices de audiência

Ao me deparar com um tópico na Wikipedia (onde todo mundo pode alterar o texto ao seu bel-prazer) sobre a série Jaspion, percebi que há um parágrafo, digamos, equivocado.

O trecho diz o seguinte:

“(…) seus índices de audiência eram considerados altos para a época, sendo superiores aos de todas as séries posteriores dentro do seu gênero, de 1985 até 1990. Jaspion foi exposto durante um ano inteiro na TV com altos índices de audiência, vendeu produtos e foi reconhecido por todas as crianças da época nas suas apresentações em parques temáticos.”

Precisamos desmentir algumas coisas para não confundir o leitor e fã atento. Temos vários exemplos no Brasil e no mundo que dizem que nem tudo que tem audiência alta significa sucesso absoluto.

Vou dar um exemplo no Brasil bem famoso que prova isso. Em 1990, o Brasil teve duas tele-novelas: Pantanal (Rede Manchete) e Rainha da Sucata (Globo). A novela global dava em média 60 pontos com picos de 70. Já a produção manchetiana dava 25 com picos de 35.

Mesmo com essa diferença gritante de audiência, é estranho confirmar que Pantanal fez mais sucesso que Rainha da Sucata. Isso se torna tão verdadeiro que até mesmo o autor de Rainha da Sucata, Sílvio de Abreu, desabafou para o livro Biografia da Televisão Brasileira: “As duas nunca concorreram, mas a imprensa só publicava comparações. Tinha noites que eu chegava aos 70 pontos de pico e mais tarde o Benedito atingia 40. Aí só falavam dele!”

Esse reconhecimento de Sílvio de Abreu se fez presente na emissora dos Marinhos há três décadas. Por incrível que pareça, a Globo reconheceu essa supremacia da novela em algumas ocasiões, sendo a última um remake planejado para 2022. Estranho que, mesmo com audiência considerada alta, Rainha da Sucata raramente é citada na emissora.

O que quis mostrar com isso? Esse foi só um exemplo daquilo que disse antes: nem tudo que tem audiência alta significa sucesso absoluto. Existem vários fatores que definem o que é sucesso ou não. Isso não se estende só para o ramo da teledramaturgia brasileira, mas para diversos produtos televisivos no mundo.

E sim, querendo ou não, se estende aos nossos tokusatsu. Muitos usam a audiência alta do início da fase áurea da série para definir que ela faz mais sucesso antes do que atualmente.

Por exemplo, vamos pegar o próprio Jaspion no Japão. A audiência dele foi consideravelmente alta (para a época), com um índice de 11,8%. Mesmo com essa audiência “alta”, Jaspion não é considerado um sucesso para o público japonês e nem é muito lembrado. Por quê? Existem alguns fatores.

A primeira já foi replicada acima. Audiência alta é diferente de sucesso. Jaspion teve muitos produtos lançados na época, mas o sucesso comercial foi aquém do esperado. Jiraya, que deu 2 pontos a menos (9,6%), fez mais sucesso que o “Tarzan Galáctico”.

Jiraya vendeu bem mais produtos que Jaspion. A série estava planejada para ter menos de 50 capítulos por causa do insucesso das anteriores, no caso, Jaspion, Spielvan e Metalder, que foram encurtadas devido ao fator das baixas vendagens de produtos comerciais e repercussão).

No fim das contas, Jiraya ganhou quatro episódios a mais para última hora, coisa que Jaspion não teve. E vale destacar que Jiraya é lembrado até hoje pelos japoneses, ao contrário de Jaspion. Jiraya é bastante citado em pesquisas japonesas e sempre aparece em uma ou outra produção tokusatsu da atualidade (a última foi em Ninninger, inclusive com adaptação para Power Ranger).

Querem outro exemplo? Vamos Lá: Patrine! Aqui no Brasil, a “estrela fascinante” foi um fiasco. Mas no Japão, acreditem, fez mais sucesso que Jaspion. O que prova isso? Vejamos.

Patrine foi planejada para ter 26 episódios, uma vez que foi um teste para a Toei/Bandai para alcançar um novo público (meninas de 4 para 8 anos). Nem mesmo Ishinomori imaginaria que a série seria um sucesso. Por causa desse sucesso, planejaram um vilão fixo (Diablo) e dobraram o número de episódios.

A autora Naoko Takeuchi admitiu que se inspirou em muitos momentos de Patrine para compor Sailor Moon (que foi outro sucesso japonês, ultrapassando até mesmo a fonte de inspiração). Os produtos de Patrine venderam como água. Anos mais tarde, a heroína apareceu em outras produções tokusatsu e ganhou uma “continuação” (uma série spin-off de 11 capítulos em homenagem a série chamada Panchanne, na qual a protagonista de Patrine aparece em alguns capítulos).

Com isso em mente, fiquem cientes de uma coisa: Jaspion fez um sucesso aquém do esperado. Audiência alta não é sinônimo de sucesso absoluto. O personagem nem é muito lembrado pelos japoneses, é só mais uma série sem grande repercussão.

Mas isso não tira o mérito da série ser boa ou ruim. No Brasil, é uma série que é quase unanimidade. Sucesso absoluto, Jaspion ajudou a Manchete a se popularizar para uma geração. Junto com a apresentadora Angélica, deu trabalho para a Rede Globo em 1988/1989, fazendo que a Globo entrasse com uma causa na Justiça contra a Manchete para reduzir a programação infantil da emissora dos Bloch.

Mesmo com audiência aquém dos produtos globais, a série fez mais sucesso que muitas coisas feitas pela Rede Globo nesses dois anos. Afinal, a Manchete não tinha sinal que pegava em toda a Grande São Paulo para ter uma audiência alta. Se mesmo com um sinal limitado, a Manchete fez a Globo acionar a justiça, imagine se tivesse um sinal mais amplo e Jaspion chegasse em todas as praças na época??

Então, resumindo a ópera: Jaspion fez sucesso só aqui no Brasil. No Japão (e no resto do mundo), é só um alguém na multidão. E, mesmo com a baixa repercussão no Japão, isso não tira o sucesso da série no Brasil e não é garantia de que a série seja boa ou ruim.

Seja fã da série SIM! Mas sejam fãs conscientes. Sejam pés no chão. Saber a verdade sobre a série não significa que tu tens a obrigação de desgostar dela. Muito pelo contrário. Continuem gostando. OK?