Supaidaman [Review com spoilers]

Para você que está procurando uma versão “mais adulta” do Homem Aranha esta é uma ótima oportunidade. Com um enredo objetivo, mas sem os vilões clássicos conhecidos pelo público, a série usa, em sua maioria, humanos transformados em robôs que adquirem uma fisionomia semelhante a de animais ou monstros baseados na mitologia japonesa.

Durante boa parte do tempo do período em que foi transmitido, não houve uma série de super heróis no Japão que fizesse concorrência dentro do nicho, já que Battle Fever J estreou somente em fevereiro de 1979 e o antecessor JAKQ teve a exibição finalizada em 1977. Além disso, a franquia Kamen Rider estava em um hiato após o final de Stronger em 1975, e só retornou com Skyrider em outubro de 1979. Havia ainda somente um anime da franquia Ultraman em exibição na época.

Portanto, no que diz respeito ao tokusatsu, o Spider Man japonês era principal opção em 1978, concorrendo em audiência geral apenas com doramas. Isso mostra como a série tinha o ‘campo limpo’ para conquistar público e porque se tornou uma das mais conhecidas daquela época.

Fazendo um comparativo, Tobey Maguire, quando deu vida ao personagem da Marvel nos cinemas, tinha 26 anos. Andrew Garfield interpretou o Homem Aranha aos 28 anos, enquanto Tom Holland tinha 19 anos quando fez o mesmo papel. Na versão japonesa, Shinji Todo atuou no papel dos 23 aos 24 anos, fazendo dele o segundo ator mais jovem a interpretar o personagem. Cabe aqui a observação de que, em Metalder, o ator foi o Imperador Neroz com 32 anos e continua na ativa no mundo do tokusatsu.

Mesmo com um ator tão jovem, o enredo se mostra bem mais adulto do que o dos filmes de Hollywood. Na narrativa, o personagem aparenta ter 22 anos e é um adulto que trabalha como piloto de moto e, em alguns momentos, realiza entregas e mora junto com o pai, com a irmã e o irmão mais novos e também tem uma namorada fotógrafa, que vive caçando imagens do Spider Man com sua câmera, mas poucas vezes consegue algum registro para o jornal local.

As semelhanças com Peter Parker são somente o fato de perder um de seus familiares, assassinado no início da trama, no caso, o protagonista japonês perde o pai. Fora isso, temos um herói completamente diferente do que acompanhamos nos cinemas ocidentais, pois vive dilemas de adulto da época, buscando ajudar em casa com seu salário, dar presentes para namorada e irmã mesmo com pouco dinheiro, além de enfrentar uma as adversidades com os vilões, ao contrário do adolescente que acabar de sair do ensino médio e vai para faculdade por ser um super gênio da biologia e informática.

O protagonista Takuya é um total paspalhão e suas habilidades se resumem a ser um bom piloto de motocicleta, até encontrar Garia e receber o sangue e o bracelete para tornar-se o Homem Aranha e, a partir daí, vai se tornando uma pessoa mais ágil e inteligente por causa desse sangue recebido no início da trama. No decorrer da narrativa ele acumula um desejo de vingança não somente por seu pai e Garia, mas também pelas outras famílias que Dr. Monster e seus aliados destroem.

O arsenal do herói é composto por um carro voador chamado Spider Machine GP-7 (a curiosidade é que a logo da Suzuki aparece em alguns momentos), além da nave espacial Marveller, que pode transformar-se em Leopardon para derrotar os monstros e, por fim, a teia de aranha formada a partir do bracelete que é usada como corda ou rede para imobilizar os inimigos. Na série japonesa, a teia parece sair somente de um braço, enquanto nos quadrinhos ele geralmente usa os dois membros. O dispositivo eletrônico o Spider Protector e detecta inimigos nas redondezas, possibilitando descobrir se estão disfarçados de cidadãos comuns.

Outra arma seria uma espécie de ‘Spider-Radar/Rastreador’ que serve para rastrear alguns dos ‘amigos’ do Homem Aranha e saber sua localização, além de pedir socorro ao herói em caso de perigo real. Usada em poucos episódios, é uma referência ao personagem dos desenhos animados que usa uma ferramenta similar e pode ter sido inspirada na série. O herói também adquire super poderes como saltar até o triplo da própria altura, super audição, sentido aranha que alerta sobre a presença de perigo e fator de cura de qualquer ferimento em poucas horas.

Apesar de ter um formato conhecido atualmente como ‘monstro da semana’ a série também traz para o público o desenvolvimento próprio do herói e de alguns vilões. A namorada do protagonista, chamada Hitomi, trabalha em um jornal da cidade em busca de informações sobre os crimes e também pesquisa a identidade do Homem Aranha. Porém, o primeiro portfólio ou álbum de fotos com registros do heróis só é feito quando a série está nos últimos dez episódios. A supervisora do setor onde Hitomi trabalha também quer descobrir a identidade do herói porque, na verdade, é uma das vilões principais da trama que trabalha disfarçada. Takuya, no entanto, só descobre o segredo perto do 20º capítulo e o disfarce é revelado para a namorada somente na reta final.

Durante a primeira metade da série, o desenvolvimento do herói passa por acontecimentos do seu passado que são resgatados e inseridos na trama. Um dos amigos do pai do protagonista morre ao ser sequestrado pelo Exército da Cruz de Ferro e a filha dele é transformada em um monstro da Cruz de Ferro. Em um último esforço, ela se recusa a levantar a mão contra o amigo de infância e ataca os inimigos do herói ao invés de obedecer as ordens deles. Em outro capítulo, é mostrado um orfanato onde um de seus colegas de escola vivia e como a Cruz de Ferro tenta corromper os amigos do herói para jogá-los contra ele.

Hoje em dia podemos imaginar que a série seria criticada por alguns fatores, como diversos episódios que tratam de temas controversos como a 2ª Guerra Mundial, mercado negro, gangues, drogas e até uma cena em que o Homem Aranha se arma de uma metralhadora para atirar nos capangas do inimigo.

Além disso, a forma como os assuntos são abordados é um pouco diferente dos tokusatsus mais famosos, como o episódio em que Dr. Monster invoca um monstro em forma de cogumelo para fazer drogas e distribuir para os jovens fazendo-os dançar até morrer, o que seria uma referência ao LSD e ao êxtase. Já no episódio 17, ao perceber que dois irmãos queriam tornar-se grandes astros da luta livre, o vilão corrompe um deles e o transforma em um monstro com uma forma que lembra vagamente o ‘Coisa’ do Quarteto Fantástico e o Homem Aranha vence até com certa facilidade.

Apesar de termos alguns atores que se destacaram em outras séries no futuro, Shinji Todo como Takuya Yamashiro é de fato o melhor ator da série, junto com Hirofumi Koga, seu suit actor. Hikaru Kurosaki,  intérprete de Jaspion, faz uma ponta na série como dublê de um monstro, em um dos seus primeiros papéis, com apenas 17 anos. Nos últimos episódios, Hiroshi Miyauchi, muito conhecido por atuar em diversos tokusatsus, faz o papel de um detetive que usa roupa de faroeste e ajuda o Homem Aranha a encarar o inimigo da vez.

A Interpol é citada em vários episódios, uma vez que Takuya se tornar um agente secreto que repassa informações sobre o avanço do Exército da Cruz de Ferro. Apesar de ser esquecida na reta final da série, a ideia é de uma função semelhante a da Shield nos quadrinhos atuais.

O herói não chega a lutar sozinho, contando com a ajuda de crianças como detetives mirins que investigam ao seu lado, da própria Interpol, de cachorros, de alguns policiais e de comunidades locais que apoiam o herói por estarem amedrontadas pelo Dr. Monster. Isso mostra uma característica comum ao personagem em outras mídias, conhecido como o ‘amigo da vizinhança‘ e um herói mais humano, que está mais ligado às crianças e à comunidade.

Existe um curta metragem que faz parte da série que não assisti mas, de acordo com reviews do canal Shinta Review, o filme é uma espécie de filler no qual um monstro do mar é transformado em robô que atira mísseis para derrotar o Spider Man. O canal publicou ainda um review em três partes sobre série, em inglês.

Caso o telespectador esteja cansado da imagem colegial ou calouro de faculdade do Homem Aranha e não se identifique com a figura de adolescente e universitário colocada na maioria dos filmes, essa série é uma boa opção, apesar dos efeitos especiais limitados pela década 70.

Os personagens são bem caricatos e não há uma ligação direta com o Homem Aranha dos quadrinhos, apesar de publicações atuais já terem feito referência a ele, o universo é totalmente diferente. Além de uma maturidade maior, o personagem japonês também possui arsenal bem variado e inimigos não relacionados.

A série é uma boa pedida para quem curte algo mais ‘cult’ e um Homem Aranha que não está preso pelas amarras do ‘politicamente correto’, com uma visão mais elaborada do herói e desafios ligados à vida adulta, podendo talvez criar uma identificação melhor com um público mais velho que tenha lido as histórias do herói quando criança.