A Caça
(Jagten, 2012)
Drama – 115 min.
Direção: Thomas Vinterberg
Roteiro: Tobias Lindholm e Thomas Vinterberg
com: Mads Mikkelsen, Thomas Bo Larsen, Annika Wedderkopp
crítica: Alexandre Landucci
Crianças nunca mentem? Esse é o mote da produção de Thomas Vinterberg sobre um pacato e simpático professor que tem sua vida destruída a partir de uma mentira contada por uma criança frustrada. A posição do diretor é ousada já que a afirmação mentirosa envolve um dos assuntos mais dolorosos e asquerosos do mundo: o abuso infantil.
Ao apostar nisso, Vinterberg consegue com que o público entenda até mesmo as motivações para com que os envolvidos nessa historia acabem agindo de forma condenatória em relação ao protagonista. Essa é a atitude normal diante de acusações tão virulentas. Automaticamente nos solidarizamos com as vitimas e atacamos os acusados mesmo sem termos provas a respeito. A óbvia lembrança ao ocorrido com a Escola de Base em São Paulo (quem lembra?) onde os responsáveis pela escola foram acusados de toda uma serie de abusos e depois se comprovou que nada daquilo era verdade. Porém, a vida dos donos já tinha sido destruída e os traumas sofridos por essas pessoas são certamente sentidos até hoje.
Esse é o caso de Lucas, que tem sua vida devassada e que realmente emociona o espectador com seu drama. A interpretação de Mads Mikkelsen é poderosa, intensa e emocionante conseguindo transitar pela sensibilidade de seu personagem e a tristeza profunda com as acusações infundadas que recebe. Acusações que ele (e o diretor inteligentemente ilustra em diversos momentos) sabe que dificilmente serão realmente perdoadas. Sua descrença em ver que sua vida está sendo destruída é comovente e conseguimos facilmente nos colocar na angustia que é ser injustamente acusado de algo que não se fez.
Vinterberg é ácido na posição com que coloca os adultos envolvidos naquela trama, já que mesmo com a simpaticíssima e carismática Klara dizendo que mentiu e que aquilo não é verdade, ninguém passa a acreditar nela também, tornando o fato uma espiral sem fim de tragédias.
A montagem é espetacular, fazendo de A Caça uma jornada rumo à tragédia onde os vencedores e perdedores não existem. Se Lucas perde sua vida, a população da pequena cidade jamais conseguirá enxergar o professor da mesma forma que o via antes das acusações ou talvez deixar de sentir-se envergonhado pelas acusações infringidas.O filme tem momentos de grande sensibilidade como a que envolve a missa de Natal, quando o professor enxerga toda a população da cidadezinha dentro da igreja e sente-se absolutamente deslocado, como se de fato fosse um criminoso condenado. A alegada falta de ambição do personagem, em manter-se como um simples professor de jardim de infância amplia nossa simpatia para com ele, já que Vinterberg nos convence de forma inequívoca de que ele é uma pessoa de caráter que não está sequer pensando em bens materiais e que ama seu trabalho. Por isso, assim que a acusação surge, jamais sequer pensamos que exista ali alguma possibilidade para uma “revelação de último minuto”, provando que ele de fato abusou da garotinha.
Somos “time Lucas” desde a saída e ver a espiral da decadência que Vinterberg produz – de forma quase masoquista – sobre a vida de seu protagonista é assustadora e muito tocante. Vinterberg explora nossa simpatia pelo personagem e nossa profunda indignação ao perceber que ninguém levantará um dedo em sua defesa.
A Caça é monumental. Um espetáculo de interpretação de Mads Mikkelsen, uma direção sóbria, inteligente, segura e que jamais apela para a solução óbvia ou instiga dúvida no espectador. Os planos finais, desnecessários ao ilustrar de forma até gratuita a tal “caça” não chegam a destruir o filme, mas enfraquecem a análise mais cerebral que Vinterberg vinha fazendo até ali. Uma pequena concessão gráfica a ideia de que ele jamais será perdoado e para todo o sempre viverá sob ameaça daqueles que não conseguem acreditar em sua verdade.