Detona Ralph
(Wreck-it-Ralph, 2012)
Comédia/Aventura – 108 min.
Direção: Rich Moore
Roteiro: Phil Johnston e Jennifer Lee
com as vozes de: John C. Reilly, Sarah Silverman, Jack McBrayer, Jane Lynch, Alan Tudyk
Crítica: Alexandre Landucci
Detona Ralph mistura dois elementos que são garantia quase certa de sucesso: animação de qualidade e videogames. Por isso, além do timing do lançamento nacional (férias e sem lançamentos de apelo popular na semana), podemos antecipar o possível sucesso da mais recente animação dos estúdios Pixar/Disney por essas bandas. E não chega a ser injusto.
A história é o grande trunfo da produção, que apesar de ser tecnicamente irretocável,é ancorada na ideia de re-apresentar a premissa de encontrar seu lugar no mundo no mundo, no caso dos videogames, seja em uma velha máquina arcade oito bits ultrapassada ou um mega FPS (first person shooter) super moderno e com visual espetacular.
Não, os personagens do jogo oito bits (chamado Fix-it-Felix Jr., algo como Felix, o Consertador) não surgem com visual de época, mas guardam algumas características de movimentação típicas do período de produção do jogo, menos nosso protagonista, o vilão do jogo, Ralph.
Ralph é um sujeito bacana, gente boníssima, que está cansado de ser um vilão. A situação é agravada por não ter apoio de seus colegas de jogo que – digamos – não conseguem separar o profissional do pessoal, encarando-o sempre como um inimigo nefasto e perigoso. Na primeira cena do filme, vemos Ralph em meio a uma sessão de apoio aos vilões, onde podemos reconhecer diversos personagens icônicos dos games, como Bowser da série Super Mario, Zangief e M. Bison de Street Fighter, Dr. Eggman da serie Sonic, os famigerados fantasmas do mítico Pac Man, entre muitos outros. Ali já notamos o clima em que nosso protagonista é envolvido. Ele é um sujeito em busca de seu espaço e em busca de reconhecimento além daquele que tem e que o incomoda.
A trama começa a engrenar quando Ralph decide entrar em uma festa que comemora os 30 anos do jogo, dada – obviamente – no cenário/casa onde o mesmo se passa, e após criar uma confusão é confrontado com o fato de que ele sempre será um vilão. Revoltado, acaba decidindo encontrar uma forma de ser reconhecido como algo além e parte para o encontro de seus objetivos a partir da sensacional ideia do Game Central, uma espécie de plataforma de trem, onde todos os jogos estão conectados.
Vale lembrar que Fix-it-Felix Jr. e tantos outros jogos mostrados no filme, não estão ligados magicamente, ou, como é mais comum nos dias de hoje, via on-line. Eles são resquícios de uma era praticamente extinta e bastante nostálgica: os fliperamas. O tal Game Central (no mundo “real”) nada mais é do que a régua de energia onde todos os cabos das máquinas arcade estão unidos.
Feito a observação, é interessante notar a riqueza de detalhes com que o ambiente é apresentado e a quantidade absurda de easter eggs escondidos pelos cenários, que vão de personagens fazendo pontas a frases grafitadas nos muros virtuais que fazem referência a diversos outros jogos.
Outra observação pertinente é que Detona Ralph tem a mesma ideia de Toy Story: quando os humanos não estão vendo, os programas (personagens e cenários) têm vida própria e personalidades complexas. Isso é responsável pela imediata quebra de expectativa referente a alguns personagens icônicos e que surge imediatamente como na já citada cena de abertura do filme.
Em sua busca Ralph acaba penetrando em dois mundos: a versão de games de tiro modernos em Hero’s Duty, onde se traveste de soldado na ânsia de destruir os insetos invasores e conquistar o prêmio e na colorida e fofíssima Sugar Rush, um game de corrida passado em um mundo de doces (o que eventualmente pode causar no espectador uma crise de fome, o que sugere a dica de não assistir ao filme de barriga vazia).
Quando em Hero’s Duty Ralph conhece a vigorosa sargento Callhoun, uma loira forte e segura, que tem um trauma em seu passado. Em Sugar Rush, onde boa parte do filme se passa, conhece a irritante Venellope, uma postulante a corredora que nunca consegue sucesso em participar da corrida.
Ao lado desses coadjuvantes, o próprio Felix, o herói do game de Ralph, parte em busca do vilão/amigo/companheiro de aventuras já que sem a presença do vilão, o game é inutilizado pelo fliperama e tende – por ser antigo – a ser desativado.
O filme é inteligente ao colocar quatro narrativas paralelas se interligando em prol da boa diversão: Ralph e seu desejo de ser aceito e que dialoga muito bem com a trama de Venellope, enquanto Callhoun precisa impedir uma hecatombe no mundo dos games e Felix impedirem a sua própria hecatombe, o desligamento de seu jogo.
Não é a toa que essas duplas logo se encontram e dividem por mais tempo a tela. As caracterizações são impecáveis e o visual de Sugar Rush realmente cumpre seu objetivo mais mesquinho: o de deixar o espectador salivando por qualquer comida doce a sua mão. São criativas as formas com que o filme encontra para criar veículos com base de biscoito, waffer, chocolate, rosquinhas, sorvete e afins.
Já a trama em si não apresenta nada de novo e pode até ser encarada de forma reacionária em alguns momentos (admito que possa estar exagerando aqui, mas foi minha impressão), principalmente em sua visão quanto ao “nosso lugar no mundo”. Porém, o carisma de Ralph é enorme, Felix é um coadjuvante desajeitado e cativante, Calhoun é ranzinza na medida certa para não parecer arrogante e Venellope é aquela criança pentelha de voz irritante que adoramos odiar.
Como curiosidade, é bacana perceber a sacada da Disney/Pixar em colocar como o jogador – nas vezes em que vemos os games em ação de verdade – uma garota, o que pode parecer politicamente correto, mas que reflete uma realidade (felizmente) cada vez mais presente.
Detona Ralph não é brilhante, mas é divertido, tem ideias criativas (o vulcão feito de refrigerante e bala é uma adição visual bacana a um mito clássico) e personagens bem realizados. Talvez não seja inovador, não tenha um roteiro cheio de grandes viradas e um final bastante simplista (e como disse que pode até ser visto como reacionário), mas é superior ao que Disney e Pixar fizeram no último ano.
Obs 1: o curta que precede o filme é IMPECÁVEL e é a melhor coisa que a Disney fez em anos. Não percam: Paperman.
Obs 2: antes de xingar a dublagem cheia de nomes incomuns (leia-se celebridades e atores de novela e afins) assistam ao filme. Ela não é brilhante, mas é bastante competente.