Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge
(The Dark Knight Rises, 2012)
Ação/Aventura/Drama – 164 min.
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Jonathan Nolan, Christopher Nolan
Com: Christian Bale, Tom Hardy, Anne Hathaway, Joseph Gordon-Levitt, Michael Caine, Marion Cotillard, Gary Oldman, Morgan Freeman.
Crítica feita por: Alexandre Landucci
Sempre disse que não sou um leitor de quadrinhos. Mas sou, e sempre fui um leitor de Batman. Não enxergo nenhum outro personagem com tamanho carisma e potencial cinematográfico do que o cruzado de capa, o cavaleiro das trevas. O personagem, que talvez seja o mais adaptado vindo da “banda desenhada”, tendo ganhado uma serie de aparições na TV (em live action ou animação) e filmes é um ícone mundial, sendo facilmente reconhecido em todas as partes do mundo. Esses últimos (os filmes) em especial viveram do fetichismo de Tim Burton, que fez dois filmes com sua assinatura usando o morcego e do carnaval homo-erótico chique de Joel Schumacher.
Christopher Nolan assumiu as rédeas de um projeto que visava trazer o personagem ao mundo real, deixando de lado as caricaturas, os excessos e os erros dos filmes anteriores. O primeiro ato da sinfonia da redenção do morcego foi um choque para aqueles que só conheciam o personagem pelos filmes anteriores ou pela serie de tv. Um filme adulto, direto e que contava a origem do personagem de forma inteligente, tentando encontrar soluções para cada nova artefato produzido por Bruce Wayne, em um esforço para quebrar o preconceito de uma parcela do publico com os filmes de herói. Sim, era possível torna-los “sérios”, dar estofo emocional e intelectual as aventuras que pulavam dos quadrinhos para as telas de cinema.
Três anos depois, a apoteose, o ápice, a quase perfeição do assombroso O Cavaleiro das Trevas, um filme que fez uma pergunta ao público: “e se substituirmos o sujeito vestido de morcego, por um policial?”. O Cavaleiro das Trevas, mais do que uma das melhores (senão for a melhor) adaptações de um personagem de quadrinhos para o cinema e um tremendo filme policial, é um grande filme de ação e consagrou um dos maiores vilões do cinema: o Coringa de Heath Ledger.
Logo, as expectativas para a conclusão da saga do morcego eram absurdamente altas. Quase injustas, já que exigir a perfeição é uma atitude cruel. Portanto, já logo deixo claro: Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge não é tão intenso e sufocante como seu antecessor. É diferente, é muito mais grandioso e épico, transformando a personagem do Batman em uma deidade, uma criatura muito maior do que o homem que veste a máscara.
Mesmo com essa grandiosidade, é inferior ao segundo filme, muito por ser previsível – principalmente se você é leitor de quadrinhos – e por não ter um vilão tão magnético quanto o Coringa de Heath Ledger. O filme ainda tem os problemas sintomáticos de uma produção desse tamanho – e tão extensa. O filme precisa – em alguns momentos – explicar de forma bastante didática alguns fatos pregressos ou “planos malignos” que vão surgir na tela nos minutos seguintes. Ainda no campo dos “senões” o excesso de coincidências em alguns momentos do filme, enfraquece a narrativa.
Porém, Christopher Nolan tem o controle total desse mundo chamado “Gotham City” e consegue nos fazer crer, torcer e nos emocionar mesmo diante de um roteiro que não é brilhante e com muitos personagens entrando e saindo de cena (todos importantes) a todo o momento, o que poderia enfraquecer a sensação de grandiosidade que o filme pretende ter, já que com muitas histórias paralelas, talvez exista uma dificuldade em encerrar algumas delas. Felizmente, não é o caso.
Christian Bale assumindo pela terceira vez o manto do personagem, está mais seguro do que nunca. Conhecendo claramente todas as nuances de seu personagem, faz de Bruce Wayne nesse terceiro filme um homem que viu sua lenda se transformar em temor, e o temor em perigo. Quando o filme começa, oito anos depois do segundo Batman de Nolan, Wayne é uma sombra. Ninguém o vê, ninguém sabe de sua vida e os poucos que conseguem tentar se aproximar, são barrados por Alfred e pela própria falta de vontade do personagem. Wayne, oito anos mais velho é um homem de meia idade, cansado e machucado pela vida, física e mentalmente. Uma interpretação que faz – durante o filme – Bale ter de rejuvenescer na frente de nossos olhos. Um trabalho bastante competente do ator, que parece perder alguns anos durante a projeção.
Porém, com Wayne vivendo isolado, é preciso um incentivo, um agente da mudança, um objeto que o faça se mover. Esse “objeto” é a personagem de Anne Hathaway, Selina Kyle (que os fãs de quadrinho reconhecem como sendo o alter-ego da Mulher Gato, mas que no filme nunca é chamada assim), uma ladra de grande competência que ao roubar um objeto da mansão Wayne, acende a fagulha que parecia apagada na vida de Bruce, que vivia uma existência vegetativa. Hathaway tem mais um desempenho de alta qualidade, fazendo da personagem uma mulher decidida, segura, que aparenta ser algo que não é. Por baixo das roupas apertadas e dos óculos infravermelhos (que quando são colocados sobre a cabeça imitam as orelhas de um gato, uma sacada genial da equipe de produção do filme), a personagem é mais do que uma simples ladra. É uma companheira de complexidade que faz frente e tem muita química com o personagem de Bale.
Assim como em Cavaleiro das Trevas, nesse terceiro filme temos um agente do caos, um novo inimigo – ainda mais perigoso para Wayne, do que o insano Coringa o era no filme passado. Se o Coringa de Ledger era um maníaco que queria ver o mundo queimar, Bane é um sujeito inteligente, que tem um plano que envolve a subversão dos valores, questionamentos sociais e a pura anarquia. Além disso, apresenta-se como um rival não só mental, mas físico para Batman, uma novidade na série. Hardy teve de dublar suas falas graças à máscara assustadora que o personagem veste. Um misto de focinheira com respiradouro, é mais um elemento que causa estranheza no personagem. Hardy é um ator físico e que não tem em seu olhar um de seus maiores atributos. Sua voz, no entanto, ecoa pela projeção como um silvo macabro do terror, que nos lembra que além de um homem marcado pela tragédia é inteligente e tão astuto quando o Cavaleiro das Trevas.
O filme ainda insere dois novos acréscimos à fauna dos personagens na franquia. Joseph Gordon-Levitt é a esperança. O policial Blake simboliza a mudança, o homem esperançoso pelo futuro, aquele que compreende a mensagem mais importante sobre o Batman: mais do que um indivíduo, o Batman é um símbolo. Algo que Nolan já havia plantado e que foi sendo desenvolvido nos filmes anteriores. Gordon-Levitt vem se mostrando um ator bastante competente e apesar de seu personagem não ser dos mais profundos (sua origem e sua personalidade são cristalinas) ele funciona muito bem para sua função no filme, que é sim, bastante importante.
Marion Cotillard, uma das mais belas mulheres do cinema, esbanja charme e inteligência como a investidora Miranda, que surge como interesse amoroso de Bruce Wayne, além de mulher de fibra e parceira de negócios. A trinca de atores “veteranos” e talentosos fecha o elenco principal. O comissário Gordon, personagem que tem o arco dramático tão rico quanto o de Batman, ganha um novo impulso nessa produção, mesmo tendo um tempo menor de tela do que outros personagens coadjuvantes. No terceiro filme, Gordon é o símbolo da responsabilidade das autoridades, mesmo diante dos desafios mais complexos e que exigem uma análise moral muito mais profunda, do que o simples certo ou errado.
Morgan Freeman surge nesse terceiro filme novamente como o Q de Batman, e também como alívio cômico, mesmo que diante de tantos personagens, tenha sido seu Lucius Fox aquele que teve seu tempo de tela mais prejudicado. Já Michael Caine, mesmo em doses homeopáticas nessa produção está impecável. Dizer da qualidade do ator britânico seria – no mínimo – uma ousadia de minha parte, e mesmo que o ator tenha derrapado durante sua carreira, quando encontra a soma de um bom roteiro/personagem e um bom diretor, consegue atingir ótimos resultados. Nesse terceiro filme, Alfred é o elo emocional do filme, a âncora que nos faz perceber que além de toda a grandiosidade da produção de Christopher Nolan, ainda existe a historia de um homem e seu trauma, da luta incessante para vencer seu passado sombrio e seguir em frente.
Nessa terceira produção tudo é maior. Os cenários são incrivelmente grandes, o som é incrivelmente alto e nítido, a fotografia é abusivamente grandiloquente, os planos absurdamente abertos e a construção das cenas é a de um épico de verdade. Este é o mais sombrio de todos os filmes de Nolan sobre o morcego, embora curiosamente, seja aquele com o maior número de cenas diurnas de toda a saga. Muita ação acontece durante o dia, incluindo duas grandes sequências de ação realmente grandiosas.
A montagem de Lee Smith é muito inteligente e consegue interligar as muitas historias paralelas sem no entanto, fazer o espectador se perder no meio do caminho, mesmo diante de um roteiro (a cargo do próprio Nolan e de seu irmão Jonathan Nolan) que não é o grande destaque do filme. Como discorri sobre o assunto durante a crítica, o texto abusa de alguns lugares comuns e explicações dadas no último segundo que enfraquecem a intenção de se manter “realista”, opção de Nolan nos dois outros filmes da franquia. Nesse terceiro, o clima de “história em quadrinhos” é mais explicito. Se os primeiros Batmans pregavam o mundo real, onde o vigilante poderia existir, aqui vemos uma versão deturpada, onde os vigilantes já fazem parte do dia a dia da população. Um mundo sob o efeito de “heróis” e “vilões”.
Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge não é tão poderoso quanto seu antecessor, mas não deixa de ser o mais vigoroso e bem sucedido blockbuster da temporada. Além de ser especialmente satisfatório no que se dele se espera em nível mais rasteiro (ou seja, ele diverte e deixa o espectador tenso e emociona), consegue, sem grandes concessões, manter a integridade de sua historia intrincada e que precisa ser compreendido (por mais pedante que pareça) como a última parte de uma historia maior e que engloba os três filmes dessa nova franquia.
Tendo uma hora final gloriosa, desembocando num dos finais mais ousados de um blockbuster americano dos últimos tempos (e que vai dar argumentos e despertar discussões de fãs), o encerramento da trilogia do Cavaleiro das Trevas pelas mãos de Christopher Nolan é um triunfo cinemático. Mesmo não alcançando a perfeição, é um encerramento solene, poético e cheio de simbolismos e arroubos de moralidade, que fazem da produção um fechar de cortinas digno a um personagem tão especial.
Nota: 9.5/10
Eu vi várias resenhas, podcasts adoidados, criticas, mas quando li esta do Alexandre. Simplesmnete impecavel. Parabens.