Último filme de Daniel Day-Lewis antes da aposentadoria, Trama Fantasma concorre a seis Oscars e oferece ao público uma obra inquietante e com tema atemporal
Costurar é algo violento, machuca. A agulha entra, sai, volta e deixa um buraco que fica para sempre, fere para sempre. É explorando essa sutil violência, aquela que só se observa quando olhando bem de perto, que Paul Thomas Anderson conduz Trama Fantasma. Um filme que com um enredo simples explora um tema atemporal e recorrente nas obra do diretor: relacionamentos abusivos.
No centro da trama está o estilista Reynolds Woodcock, vivido por Daniel Day-Lewis, indicado ao Oscar de Melhor Ator por esse papel, que afirma ser seu último no cinema. Brilhante e bem sucedido, o estilista é o sol, responsável por vestir as mulheres mais importantes da Europa pós Segunda Guerra. Cyril, sua irmã, vive em função dele, assim como todas as suas empregadas e amantes, que vão e vem. Tudo muda com a chegada de Alma – o nome não é sugestivo à toa, aliás – uma garçonete que se torna musa de Woodcock.
Daniel Day-Lewis entrega ao público um estilista charmoso, preciso e egocêntrico. Reynolds é violento, como a própria costura à qual se devota tanto. É belo e talentoso, inspira sucesso, mas apenas ferindo ele consegue chegar lá. Day-Lewis é eficiente, consegue inspirar raiva, desejo e indignação no telespectador. Entretanto, não é nada muito diferente do que já havia mostrado em outros filmes. Na verdade, o personagem e a trama lembram muito outro filme encenado por Day-Lewis, a Insustentável Leveza do Ser, uma péssima adaptação do livro de Milan Kundera.
Em contraponto ao protagonista está Alma,Vicky Krieps, uma desastrada garçonete que revela ser muito mais do que aparenta. É interessante observar como, aos poucos, essa menina simples vai se revelando e desenvolvendo novos métodos para lidar com o relacionamento abusivo e doentio que desenvolve com Reynolds. A atriz luxemburguesa traz uma atuação firme, tocante e também muito precisa.
Um terceiro elemento dessa equação é Cyril Reynolds, a irmã de Daniel Day-Lewis, braço direito do irmão, é a principal responsável por autorizar o comportamento abusivo dele, que alimenta todas as suas neuroses. A atriz Lesley Manville, entrega a melhor atuação da trama. Apesar de ser coadjuvante, seu personagem é o mais imprevisível em suas reações e quem, na maioria das vezes, traz algum humor à trama tão pesada.
Trama Fantasma só funciona por causa da atuação desse trio. Como é de seu feitio, Thomas Anderson foca muito nas expressões desses personagens em cenas contemplativas, em close-ups e enquadramentos inconvencionais. Até por isso, há a ausência de diálogos e, ao explorar detalhes em suas tomadas, seja dos desenhos de Reynolds, da costura e etc, o diretor expõe aquilo que não é dito, mas que está nos rostos dos atores, em seus gestos. A genialidade do autor está expressa especificamente em uma cena na qual um ato simples, corriqueiro e natural se torna tão invasivo que se assemelha, de certa forma, a um estupro.
Palmas para a direção, mas não para o roteiro. Por mais que as atuações sejam primorosas e as metáforas fortes, o roteiro, que também é assinado por Thomas Anderson, se baseia em uma trama simples, sem nada muito inédito, incrível. Há uma constante sensação de: “já vi isso em algum lugar”. Talvez essa impressão seja, na verdade, um reflexo da fortuidade do tema central: quem não conhece alguém que já passou por um relacionamento abusivo? Entretanto, depois de Magnólia, fica difícil esperar muito menos do diretor/roteirista.
Ao final, como era de se esperar de um filme de Paul Thomas Anderson, Trama Fantasma é incômodo, inquietante, mas muito atual ao se pensar em relacionamentos abusivos. De como essas imbricadas histórias ‘de amor’ exigem das pessoas a necessidade de desenvolver estratégias para lidar com a dor perene, com o constante vazio trazido da ausência da amor próprio. Entretanto, em uma Hollywood de Time’sUp, o filme aposta em uma fórmula arriscada ao, de certa forma, normalizar e romantizar esse tipo de relacionamento.