Por muito tempo mantive uma mácula na minha carteirinha de geek que era não ter visto Firefly, uma série icônica que acabou virando chavão sempre que se fala em “coisas que acabaram cedo demais”. Mas será que toda essa fama é justificada?
Encabeçada por Joss Whedon, conhecido até então por Buffy: A Caça Vampiros e atualmente mais famosos por seu trabalho em Vingadores, Firefly tem uma premissa até comum para séries de ficção científica. Seguimos as aventuras da tripulação da Serenity, uma nave do tipo Firefly (por isso o nome da série). A trama se passa depois de uma grande guerra civil mostrada no início do primeiro episódio na qual uma Aliança se estabeleceu para comandar os planetas mais próximos do “centro da galáxia”, enquanto os do entorno são deixados de lado, em um ambiente sem lei.
A premissa pode soar comum, mas a execução é qualquer coisa menos. A tripulação da Serenity é capitaneada por Mal Reynolds, que estava no lado perdedor da guerra civil junto com sua segunda em comando, Zoe Washburn. Por conta disso, eles são forçados a viajar no faroeste do universo. E eu uso essa palavra de propósito, pois é exatamente o clima que a série possui. Como esses planetas distantes não têm acesso às tecnologias mais recentes, são forçados a usar tecnologias do passado e ferramentas rudimentares. Ou seja, temos naves espaciais coexistindo com armas de pólvora, perseguições à cavalo e muita, mas muita poeira.
Isso não é um conceito inédito, visto que Cowboy Bebop experimentou alguns elementos assim anos antes. No entanto, enquanto o anime tinha um clima mais noir, Firefly mergulha a fundo nas referências aos Western Spaghetti de Sérgio Leone e similares. Na verdade, a obra está mais próxima de Deadwood do que de Star Trek.
O clima de faroeste se mostra ainda mais presente nos personagens. À frente da Serenity, como mencionado, estão Capitão Mal Reynolds, um cara determinado a fazer o que for preciso pela sua tripulação e sua nave e que não leva desaforos pra casa. Ao seu lado, inicialmente, temos Zoe, exímia atiradora e companheira de guerra de Mal, junto do marido Wash, piloto da nave que trata a Serenity como seu bebê. Além deles, fazem parte da equipe a mecânica sempre sorridente Kaylee e Jeyne, um mercenário de lealdade duvidosa. Completam o time, Inara, uma Companion (uma espécie de Gueixa) que tem uma história com Mal, e, pequeno spoiler do primeiro episódio, Pastor Brook, o médico almofadinha Simon Tam e sua irmã River, que são agora fugitivos da lei após River ter escapado de um experimento.
E aqui temos a maior força da série, os personagens. Apesar de, claro, serem caricatos como qualquer personagem escrito por Whedon, cada um deles é uma caixa de surpresas que aos poucos vão se revelando. O que considero mais interessante é que nenhum deles é claramente bom ou mal (exceto o Capitão Mal 😉 ), mas cada um tem uma personalidade complexa e, ainda melhor, totalmente congruente uma vez que as motivações de cada um são entendidas. Isso vale não só para os protagonistas, mas para todos os coadjuvantes. Reparem que eu não usei a palavra vilão, pois não considero que existam. Existem pessoas perversas, sim, mas dificilmente se encaixam no papel de vilões como entendemos.
Juntamente com esses grandes personagens (e grandes atuações para sustentá-los), temos também um roteiro afiado. Novamente, nenhuma surpresa pra quem conhece o trabalho de Whedon: diálogos hilários, situações confusas e reviravoltas constantes. Enquanto existem algumas tramas que permeiam a temporada, os episódios são, na maior parte, auto-contidos e, raramente, seguem o rumo esperado. Ao invés de revelar mais sobre um grande arco, cada episódio serve para mostrar mais aspectos dos protagonistas, algo que estava oculto ou camuflado.
Voltando ao questionamento inicial: afinal, a fama de Firefly é justificada? Sem dúvidas, caros leitores. E, digo mais, você nem precisa ser um fã de ficção científica para gostar. Aliás, crie essa expectativa. Espere uma série que acerta em basicamente todos os aspectos exceto pela longevidade, entregando uma experiência bastante única e satisfatória. Pra mim, um dos motivos da série não ter durado, é que ela é estranha demais para um grande público, e, como sabemos aqui no Senpuu, esse é o destino de algumas das maiores obras do entretenimento.