O Homem de Aço
(The Man of Steel, 2013)
Ação/Aventura – 143 min.
Direção: Zack Snyder
Roteiro: David S. Goyer
com: Henry Cavill, Michael Shannon, Amy Adams, Russel Crowe, Kevin Costner, Diane Lane, Laurence Fishburne
Esse não é um filme do Superman. Esse é um filme sobre um “Deus em treinamento”. Um sujeito absolutamente perdido sobre suas origens, seu papel na sociedade e como lidar com seu inesgotável poder. É sim, uma interpretação ousada e até radical para o personagem. É sim, alvo fácil para críticas. É sim, muito questionável. Mas, para mim, uma visão diferente daquela que Richard Donner – por exemplo – criou em 1978 (que cristalizou uma imagem “clássica” do personagem nos cinemas) é válida. Se convivemos com as ideias de Tim Burton e Christopher Nolan para o Batman (e sim, menos ousadas mais completamente diferentes em estilo, abordagem do personagem e ambientes que o cercam), acho que a ideia de Snyder e Nolan (olha ele aí de novo) merece sim ser analisada por esse viés: uma nova interpretação para o herói.
Vindo de um fracasso – e que curiosamente era bastante fiel ao classicismo de Donner no Superman original – com Superman Returns, o mote da produção pareceu ser: “um herói mais agressivo, para um mundo mais cínico” ou algo assim. De fato, o Superman de Snyder é muito menos escoteiro do que qualquer outra encarnação do personagem até aqui. De fato, existe esse sentimento de rompimento com o que foi estabelecido no cinema, incluindo aí uma nova história de origem e a retirada de elementos importantes da franquia, como o tema de John Williams, o cachinho símbolo do Superman de Reeves e a alteração no uniforme que segue o padrão dos quadrinhos atuais do personagem.
Isso faz do filme ruim? Não, mas é uma interpretação radical do material fonte e como todo radicalismo sobram espinhos, farpas e alguns problemas que poderiam ter sido corrigidos, mas que são compensados com um espetáculo visual que consegue dar escopo e “realismo” a uma batalha de Deuses. É primeira vez que uma produção do Superman consegue dar impacto visual a magnitude do poder do personagem. Em seus confrontos, o que vemos é um embate grosseiro, onde nada (nem ninguém) consegue se manter intacto diante da força bruta destes combatentes. Vemos o Super rasgar o solo com suas quedas, formando crateras, o solo tremer ao alçar voo, vemos o personagem quebrar a barreira do som com enorme facilidade e o impacto da destruição causada por Deuses entre homens.
A produção não é nada sutil com essas referências divinas, colocando-o Super como uma espécie de Messias, que vem do espaço (céu?), para guiar os homens a um estado de excelência. Em uma determinada cena, vemos o personagem em uma igreja confessando-se a um padre com a imagem de Cristo ao fundo. Em outra sequência, descobrimos sua idade quando os eventos cataclismos em Metropolis começam a acontecer. São elementos que chancelam a ideia de que não estamos vendo um filme de super-herói, mas de uma divindade.
E tudo começa na Krypton apresentada pelo filme. Uma gigantesca metrópole que mistura elementos tecnológicos e biológicos, com amplos cenários escavados em cavernas. Jor-El e sua esposa Faora estão infringindo a lei ao terem um filho de forma natural em vez de seguirem a tradição da clonagem, que geneticamente escolhe a casta a que cada novo kryptoniano deve pertencer. Ao mesmo tempo, o cientista sofre com a desconfiança de seus superiores, já que prevê o fim do planeta. Em Krypton, Jor-El é mais do que apenas um homem da ciência e isso fica claro em seu confronto com Zod, que aqui é um sujeito do sistema, que ao mesmo tempo em que defende as castas é inflexível com os governantes do planeta. Minha impressão é que estamos acompanhando apenas o climax de uma discussão que existia há muitos anos e por isso as informações ficam pouco claras nesse início. O que é o codex? Por que Zod odeia tanto os líderes de seu planeta? Qual sua relação com Jor-El? O incessante sol vermelho e poente de Krypton é muito bonito e funciona como exemplo (nada sutil) da aurora de uma civilização e as muitas bestas voadoras me lembraram demais John Carter e Avatar.
Jor-El é também um homem de ação. É o bastião moral e que durante a trama (das formas mais variadas) serve como conselheiro de Kal/Clark sobre suas origens e suas “obrigações” para com o mundo que o abriga. Russel Crowe não compromete, mas também não consegue ir muito além. Quem rouba a cena é o pai “humano”, Jonathan Kent, que tem Kevin Costner como interprete. Em pouco tempo de tela, Costner consegue criar um sujeito crível e responsável por dar as bases emocionais ao garoto que sofre com a dificuldade para compreender sua força e seu lugar no mundo.
Michael Shannon como Zod é daqueles vilões que ganham credibilidade e peso no decorrer da trama. Se so surgir parece mais um déspota de quadrinhos banal, vai ganhando tridimensionalidade quando conhecemos suas origens e sua falta de perspectiva quanto a um futuro diferente daquele que ele luta para atingir. Shannon é um ator muito intenso e essa intensidade ajuda a criar o paralelo entre o bom kryptoniano e kryptoniano ruim, já que Cavill interpreta Clark como um homem absolutamente perdido quanto a quem é e ao que fazer. Não fica muito claro quando sua peregrinação pelo mundo começou, mas durante a projeção acompanhamos muitas das paradas de um homem em busca de um sentido para sua vida.
Cavill faz de seu Clark/Kal esse poço de dúvidas, inexperiente e sem muita noção do tamanho de seu poder e de sua responsabilidade. Como disse no início do texto, o Superman de Zack Snyder é muito mais um Deus do que um super-herói, e as referências claras e (novamente) nada sutis a sua similaridade com a figura de Cristo acumulam-se. De discursos tanto de Jor-El quanto de Jonathan Kent, passando por sua idade, sua peregrinação e o fato de em determinado momento da trama ele chegar a pedir conselhos a um padre, diz muito sobre como a produção enxergou seu protagonista.
Isso também avaliza e legitima o terceiro ato (tão criticado por ai). Não estamos falando de uma divindade plenamente consciente de sua força, mas levada a um confronto tão extremo que suas travas morais – que já havia sido demonstrada em diversos outros momentos – acabam em segundo plano diante da força que aquelas duas figuras demonstram ao se encontrarem. Claro, que o rastro de destruição visto durante toda a trama é obsceno. Claro, que essa representação é extrema. Mas, Clark – apesar de sua idade – é um sujeito imaturo e despreparado para a consequência de seus atos.
Outra correção de rota muito interessante acontece com Lois Lane, sempre apresentada como uma repórter extremamente competente mas que nunca percebia coisas que estavam na sua frente. O filme aqui dá a personagem um reflexo visual que faz jus a toda a fama de excepcional repórter, corrigindo um erro crasso na origem da personagem (quase dei um spoiler). A mãe de Kent, Martha, vivida aqui por Diane Lane, também está bem. Diane, musa de uma geração, envelheceu muito bem e dá um ar de seriedade e calor humano que faz dela uma mãe perfeita para o personagem, um alienígena em busca de seu lugar. Percebe-se que diferente do que acontecia com o pai, em Martha, Clark encontra segurança emocional.
Zack Snyder aqui parece estar mais equilibrado. A estética de seus filmes sempre foi seu forte. Gostando-se ou não de Sucker Punch (eu não gosto), é possível enxergar um cuidado visual ali. Mesmo com exageros, problemas de roteiro, Snyder sempre teve assinatura e características muito marcantes em seu trabalho. Que pese o uso excessivo de slow motion transformado em piada pela quantidade industrial encontrada em seus trabalhos, Snyder sempre foi competente na hora de criar seus mundos. Excetuando-se Madrugada dos Mortos, em 300, Watchmen, Sucker Punch e até mesmo a animação Lenda dos Guardiões, tem momentos visuais impecáveis. 300 e seu cuidado em imitar com riqueza de detalhes os traços dos quadrinhos de Frank Miller, Watchmen e sua abertura (uma das melhores da historia recente do cinema), Sucker Punch e a criatividade dos mundos concebidos pelo diretor e toda a direção de arte e o design das corujas na animação, são exemplos dessa competência. Porém, Madrugada dos Mortos continua sendo seu melhor filme. Por quê? Pois, aliado a sua qualidade estética, existe uma boa historia por trás e que jamais se rende ao visual. O cuidado estético de Snyder está a serviço da historia a ser contada e não o contrário. Sim, em 300 Snyder estiliza-se ao máximo para conseguir chegar próximo do que os quadrinhos apresentavam, mas peca por esses excessos, criando sequências que apesar de visualmente serem impecáveis, não contribuem para o andamento da historia.
Homem de Aço é Snyder achando um equilíbrio. Continuamos a ver seu olhar na tela, com as grandiloquentes sequências, o impacto visual e sonoro da presença de deuses entre nós, mas com novidades e novas influencias. Em todos os flashbacks de Clark, impera a simplicidade, nos mostrando uma infância e um crescimento do personagem de maneira quase bucólica, como os trailers já nos haviam preparado. Snyder continua sim com seus cacoetes visuais e embora tenha lido muita gente reclamando da forma como suas batalhas vão sendo mostradas e comparando-o com Michael Bay, noto uma diferença brutal na forma de conduzir as situações. Snyder está preso ao tema do filme, e por isso me parece bastante natural que a intensidade e a forma como tais sequências sejam vistas na produção. Exageradas, ruidosas, praticamente invisíveis a olho nu e com um rastro de destruição enorme. Embora, reconheça que a grandiosidade pague o preço do excesso, já que a destruição depois de alguns minutos começa a cair na redundância. Mas isso seria tirar de Snyder suas pernas. Grandiosidade sempre foi marcante em todas as suas obras, sejam elas positivas ou negativas.
A dobradinha David Goyer e Christopher Nolan (responsáveis pelos novos filmes do Batman) se faz presente na tentativa de transformar tudo em “pé no chão” e de amarrar tudo, o que me causou problemas, especialmente na importância com que a simples repórter Lois Lane ganha no decorrer da trama e na utilização do tal Codex que vemos em Krypton. Essa “nolanização” de muita coisa no cinema (especialmente em filmes de heróis e ficção cientifica), onde tudo precisa ser “forensicamente” correto, com tratados de perfeição tende ao fracasso, já que o material fonte e os personagens em geral nunca se preocuparam com tais questões. A própria abordagem dada aqui ao Superman comprova isso. Existem diversas questões propostas pelo filme, mas que basicamente podem ser aglutinadas em: como um alienígenas se comportaria diante de um planeta que lhe dá capacidades físicas e mentais muito mais altas do que a dos residentes? Ele seria bom? Ele seria mal? Ou ele tentaria de toda forma se esconder?
A opção mais racional, me parece ser a última, já que nos mundos de Nolan o bem e o mal – apesar de serem bem diferenciados – estão recobertos de cinzas e precisam de tempo para ser identificados claramente. Ao optar por sua jornada de auto-conhecimento Clark/Kal está apenas adiando o inevitável e sendo muito humano e “realista”. Seria ingênuo demais pensar que ele facilmente assumiria seu fardo como essa manifestação de deidade na Terra. Isso é influencia de Nolan, e para o bem ou para o mal vem sendo utilizada com maior frequência em diversos trabalhos no campo “nerd”. Acho apenas (e isso é um achismo puro e simples) que muitas vezes esse tipo de abordagem atrapalha o material. Aqui, miraculosamente, e apesar de estar lidando com uma força da natureza e não com um vigilante mascarado a coisa não descambou, embora os problemas existam, especialmente na resolução de alguns pontos referentes à trama e o excesso de tempo com que a última sequência se estende.
Hans Zimmer não cria uma trilha épica para o filme, mas parece ter tido a mesma leitura que tive. Um tema glorioso, de bravura e de elegia as virtudes, não caberia em um personagem tão perdido em relação a saber seu papel no mundo. Por isso, a marcialidade e a percussão indicam uma batalha sem fim. Um clima de guerra que faz com que dela, surja um herói e um líder.
Homem de Aço não é perfeito e também não é um filme do Superman. É a representação (com colant azul e capa) do nascimento de um Deus nos dias de hoje. Tal como os gregos, um Deus que disfarçado de homem procura entender aqueles que deve proteger e que muitas vezes não o compreenderão. Um Deus aprendendo a como lidar com seu poder e sua capacidade de influenciar o mundo em que vive. Um Deus que erra e que exagera e que assim como o sujeito que resolveu “biografá-lo” (espero) talvez esteja perto da perfeição em sua nova aparição. Cada vez mais alto e cada vez mais avante!
“Jor-El e sua esposa Faora”
Oi?
Faora e Lara são duas personagens diferentes 😡
filme maravihoso e incrivel o mundo tava presisandode um superman desses no cinema e qu vnha o proximo
Pra não deixar de comentar: “Faora” é aquela maluca bonitinha que faz parte do destacamento do Zod e que também ganha poderes na Terra. A mãe do Kal se chama Lara.
Eeee concordo plenamente com sua análise! É um filme sobre um messias salvador, e não sobre Superman. E mesmo assim, é um excelente filme de origem. Com identidade própria. Para um público novo. Com vários pecados no roteiro, mas que ao final consegue vender suas idéias e, porque não, sua importância.
Temos Superman aqui ainda não é um líder, não é um exemplo moral, não é guia. Mas está no caminho certo.
Fiquei com muita vontade de ver o filme, Alexandre Landucci faz ótimas críticas.
Pô gente, valeu pela correção. Faora é a guerreira, Lara a mulher do Jor-El.
eu assiti, e achei que é um excelente filme, filmaço mesmo, estou querendo ver novamente.
Apesar de alguns tropeços. Acredito que acertaram a mão dessa vez. Com o Nolan envolvido nos bastidores pode ter certeza que a sequência será um retorno do Superman a ser um arrasa quarteirão esperado.