Killer Joe – Matador de Aluguel
(Killer Joe, 2011)
Thriller – 102 min.
Direção: William Friedkin
Roteiro: Tracy Letts
com: Emile Hirsch, Matthew McConaughey, Juno Temple, Thomas Haden Church, Gina Gershon
Crítica de Alexandre Landucci
Queria conseguir traduzir em palavras o que William Friedkin nos oferece em sua primeira sequência no filme aqui analisado. Sim, porque Friedkin é um diretor tão malandro e inteligente que precisa de meros cinco minutos (menos até, confesso não ter cronometrado) para nos apresentar de maneira clara o mundo deturpado e imundo de Killer Joe.
Vamos a cena: Emily Hirsch chega a um lugarejo praticamente ermo rodeado de terra (que embaixo da chuva torrencial que enfrenta se transforma em lama) enfrenta os latidos enfurecidos de um cachorro vadio amarrado em uma corrente e chega até a porta de um trailer. Depois de muito bater, Friedkin nos apresenta sua visão desse mundo completamente fora dos padrões estéticos, visuais e morais.
Aos mais pudicos, um aviso. O close é fundamental, apesar de poder parecer desnecessário. Ao mostrar Gina Gershon nua da cintura pra baixo e nos levar para dentro da caverna intumescida de vícios e tragédias anunciadas, Friedkin alerta o espectador do que estará por vir. A depravação é o prato de sempre e a luz está fadada a ser consumida pela sordidez.
A trama é bem simples e coloca o personagem de Hirsch como um jovem traficante sem eira nem beira que chega ao tal trailer em busca do pai, um homem fraco e ignorante vivido por Thomas Haden Church. Com ele vive sua esposa a inescrupulosa Sharla, em interpretação muito segura de Gina Gershon e a inocente e ingênua Dottie, irmã de Chris/Hirsch e que funciona como único elemento de luz em meio aquela gente podre. Chris tem um plano: devendo muito dinheiro decide matar sua mãe e ficar com o dinheiro de sua herança. Para isso precisa encontrar um matador disposto ao serviço. Entra em cena, Joe (Matthew McConaughey). Joe aceita o serviço, mas quer uma garantia, a virginal irmã do personagem de Hirsch.
Tecer ainda maiores elogios ao que um inesperado Matthew McConaughey apresenta aqui, depois de ter visto tantos outros filmes do ator chegar aos cinemas antes de Killer Joe, parece o óbvio. Mas é importante o registro. Joe é um dos mais imorais e depravados personagens que o cinema americano recente mostrou na tela grande. Profundamente profissional em seu trabalho, tem um código de ética perturbado e inspira o temor de forma elegante, como se proferisse maldições ao pé do ouvido.
Como em toda tragédia anunciada, Killer Joe brinca com as expectativas do publico. Mesmo sabendo que iremos ver a desgraça diante de nossos olhos, acompanhamos como maníacos o desenrolar da trama sórdida. Friedkin é muito seguro ao lidar com seus atores e ao não poupar o público de sequências mais impressionantes, como a que envolve a entrega da então virginal Dottie, em uma cena profundamente erótica sem, no entanto apostar em recursos óbvios como uma montagem intrusiva, closes ginecológicos ou trilha apelativa. A sexualidade está na situação absolutamente perturbadora e mesmo assim sedutora.
Isso é explicitado graças a ótimos momentos de Juno Temple e sua ingênua sensualidade e de McConaughey que ao construir Joe como esse sujeito frio e direto, capaz de camuflar sua fúria por meio de uma doçura ensaiada, nos faz crer nas mais absurdas situações. Do outro lado da trama Chris (Emile Hirsch) é um sujeito que percebe no decorrer da história que o preço a ser pago pelo serviço de Joe talvez seja alto demais enquanto Ansel/Haden Church vaga estéril e submisso a uma mulher forte que usa do sexo como arma de poder.
Killer Joe ainda pode ser lido como uma analise do mal que o dinheiro “fácil” pode causar em uma desestruturada família. Pelo dinheiro os homens vendem muito mais suas almas, parece dizer Friedkin. Pelo dinheiro vendem a alma de todos ao seu redor, marcando para sempre a vida dos mais ingênuos.
O filme é uma fábula sobre a desgraça. Sobre a derrocada dos valores americanos, sobre a substituição de conceitos cada vez mais nebulosos como moral e dignidade, por outros como ganância e exploração. A partir do microcosmo de uma família absolutamente irrecuperável que perde tudo o que tem para o misterioso matador chamado Joe, William Friedkin, aponta o dedo e se diverte com o resultado orgástico. Mesmo que a orgia seja regada a frango frito.