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Tokusatsu, Jaspion e Estética pela Estética

Senpuu 10 anos ago 6 267

Texto originalmente publicado no Henshin Journey por Rafael de Jesus
(rafaeldjesus@hotmail.com)

Jaspion

A temática espacial sempre esteve presente nos tokusatsus. Deve-se a isso grande influência das bem-sucedidas séries americanas de sci-fi que cruzaram o Pacífico (Flash Gordon, Perdidos no Espaço, etc), que tinham como plot personagens que viajavam para outros planetas e se deparavam com monstros gigantes e seres grotescos (não, nada disso é invenção japonesa).

A primeira grande série a abraçar elementos do space sci-fi em sua raiz foi Uchuu Keiji Gavan(Policial do Espaço Gavan | 1982), produzida pela Toei. Gavan é um Policial do Espaço, vindo do Planeta Pássaro à Terra para combater a organização criminosa galáctica Makuu. Ele possui uma armadura espacial metálica (a característica mais original), espada e escudo laser, e uma nave que abriga um mecha em forma de dragão.

A maioria dos elementos que, à primeira vista, dão a crer que é uma série que se passa no espaço, mas não. Os elementos espaciais cessam aí (com alguns plots no espaço aqui e ali). Diferente das produções americanas, as produtoras japonesas não investiam muito em séries cujo público alvo eram crianças. Então, uma série com o herói em um planeta diferente em todo episódio teria um custo altíssimo para a cenografia e efeitos especiais.

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Policial do Espaço Gavan

Gavan evoca diversos elementos espaciais que aguçam a imaginação do público infantil, de certa forma, as fazendo querer as imagens que são implicitamente prometidas, mas não mostradas: aventuras em outros planetas. Para entrar em contato com tais imagens, as crianças precisam cria-las de alguma forma.

Podem o fazer dispondo dos brinquedos da série. Aí entram os fabricantes de brinquedos (bonecos e armas para que a criança performe suas próprias narrativas da série) para fechar o ciclo do espetáculo de imagens prometidas pela produção televisiva que, no fim, permanece ao nível do imaginário da criança, que se conforma.

Denshi Seiju Doru (Dolu)

Denshi Seiju Doru (Dolu)

A série não promete aventuras fora da Terra (mas garante toda semana uma batalha na Dimensão Makuu, inesperado e um elemento bem característico da série), o que de certa forma não frustra o espectador que logo compreende o formato dos episódios e percebe o acabará não vendo.

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Dimensão Makuu

Porém, muito lamentável é o formato “prometido” por Kyojuu Tokusou Jaspion (Detetive Especial de Monstros Jaspion | 1985), também produzida pela Toei. O herói viajava de planeta em planeta resolvendo casos de monstros enfurecidos. Foi assim nos primeiros episódios porém, o alto custo deste formato forçou a Toei a revisar o modelo da série. Na trama, Jaspion veio para a Terra e aqui ficou para resolver casos de monstros terrenos somente, até o final da série, justificado pelo fato do grande vilão Satan Goss e seu filho MacGaren terem se instalado em nosso planeta e planejarem construir um império dos monstros.

Quando há essa mudança, a série e seu plot não se diferenciam muito de um Super Sentai ou ou Kamen Rider. Uma oportunidade de ir além no gênero tokusatsu fora perdida. Isso deve ter frustrado o público, tanto que foi uma das séries menos prestigiadas naquela década. Particularmente, é a série que eu menos gosto por causa desta ruptura no formato que empobreceu a produção, por arrastar todos os clichês dos tokusatsus e não apresentar nenhum novo elemento de estilo minimamente vibrante.

Se há alguma coisa marcante em Jaspion, talvez sejam as lutas do Gigante Guerreiro Daileon, mecha que finaliza (ou só “purifica”) o vilão do episódio que quase sempre era um monstro gigante. A presença do Daileon é bem mais imponente que a de muitos mechas de Super Sentai, parece bem mais “vivo”, com personalidade (os footages recorrentes ajudam a construir isso). Em muitos momentos, mais perto do final, a presença de um monstro gigante era só uma desculpa para ter a luta contra o Daileon, mas isso eu não critico, já que o formato da série estava comprometido, não podia se esperar firmeza em mais nenhum aspecto da estrutura. Assim como Gavan, Jaspion possui uma armadura espacial, armas futurísticas e uma nave. Aí também cessam os elementos espaciais.

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Gigante Guerreiro Daileon

Não podemos analisar essa apropriação estética (aparentemente isca para vender brinquedos) apenas de uma perspectiva mercadológica. O audiovisual japonês, assim como outras formas de arte nipônica, desenvolveu seu estilo a partir da assimilação (mimetismo) de outras correntes estéticas do mundo afora. O cinema japonês, que buscava fugir da representação teatral, buscou no cinema americano elementos estéticos e narrativos para suas produções, não necessariamente cópias (há casos), mas assimilação de elementos que consideravam pertinentes para serem mixados com narrativas locais a fim de gerar um produto dito “moderno”, mas culturalmente reconhecível.

No ocidente do século XX, abraçar uma estética significava levar o pacote com todos os elementos que o compusesse. Não faria sentido produzir um faroeste na cidade grande ou um filme de terror cômico. Essa noção jamais foi fundamental no fazer artístico japonês. Como escreveu Noel Burch, acerca das palavras de Roland Barthes, a sociedade japonesa é baseada na manifestação de módulos de “signos vazios” (To the Distant Observer: Form and Meaning in the Japanese Cinema – Nöel Burch, página 26), não sendo necessariamente relevantes a origem dos símbolos usados em seus contextos originais.

Isso toma proporções gigantes no contexto atual, principalmente na mídia pop japonesa. Veja esse clipe. Muitas imagens que não dizem nada, está aí pela simples pirotecnia de cores e formas que pode proporcionar (atração):

Tokusatsu é um bom exemplo dessa cultura da assimilação estética. As séries policiais e de artes marciais deram a base dos plots das séries de tokusatsu: confrontos físicos e investigação, os animes e mangás, o imaginário dos monstros e robôs gigantes. Para dar origem a uma nova produção, os autores buscavam elementos da cultura pop que casassem com esses já conhecidos e não encarecessem o produto, tendo assim sempre um resultado “moderno” (temática espacial, por exemplo) com elementos culturalmente reconhecidos (artes marciais e monstros).

Não importa se a temática-base é significativa culturalmente no Japão, mas sim se tais imagens tem algum apelo pop, se remetem a produções maiores e mais conhecidas, se são visualmente bonitas, se são capazes de condicionar espetáculos imagéticos. Estética pela estética. Os elementos devem ser prazerosos para o olhar, instigar a imaginação para imagens mais fantásticas que as mostradas e quase nunca são discursivos com os demais aspectos dos tokusatsus.

O gênero tokusatsu essencialmente não possui nenhum norteamento político, o que lhe permitiu liberdade para agregar valores estéticos e narrativos que assim os autores desejassem, com exceções, é claro. Há uma estética dos tokusatsus, fruto de mixagem e revisão, mas não há uma estética política dos mesmos, diferente dos heróis americanos, politizado e usados como propaganda política desde sempre.

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Por esse ponto de vista do mimetismo livre, Jaspion encontra-se totalmente coerente com o gênero, absorvendo só elementos pop pertinentes à proposta e possibilidades da produtora, mas acho que não devia ter instaurado uma ideia que não podia manter: viagens planetárias toda semana. As limitações de orçamento e o desejo de fazer algo grandioso proporcionou misturas interessantes, no fim não grandiosas, mas sempre fazendo o fã de tokusatsu sentir a essência do gênero em cada uma dessas produções com apropriações parciais de elementos.

Gosto da série Gavan, o fato dela não prometer o que não pode cumprir e compensar com plost fundamentais dos tokusatsus. A Dimensão Makuu e o dragão gigante do herói tornam a série empolgante, além de ser bem humorada, leve e cativante. Quanto a Jaspion, não digo para não assistir, pelo contrário. Possui algumas aventuras empolgantes e muito dramáticas (como os típicos plots de pessoas com as mentes controladas pelo vilão), mas não espere algo diferente e novo como encontraria em Jiraiya ou Flashman. Jaspion tem tudo o que se esperaria no senso comum dos tokusatsus.

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6 Comments

6 Comments

  1. eurico disse:

    muito bom o texto

  2. Starninguém disse:

    Dos policiais do espaço prefiro Sharivan que refina todas as idéias de Gavan e tem personagens mais interessantes.

  3. RJ disse:

    PONPONPON! não acredito, minha amiga me mostrou esse clipe anos atrás kkkkk essa artista faz uns clipes tão nóias

    Pois é, eu assisti o Jaspion e achei estranho, poxa, a série começa no espaço, tão legal…De repente muda para a Terra e fica aí até o final… é meio decepcionante 🙁

  4. Márcio Lobo disse:

    Eu acho que o Daileon parece mais vivo do que os robôs gigantes dos super sentais (como está escrito no texto) porque as lutas do Daileon eram mais demoradas que as do Super Sentais, que duravam apenas uns 15 segundos. E outra coisa, nos supersentais raramente havia alguma maquete nas lutas do robô gigante contra o monstro, já em Jaspion havia maquetes quase sempre, como na foto mostrada, e a maquete adiciona muito mais realismo às cenas de luta. Nos super sentais as lutas do robô são muito pobres, sem maquetes, e muito rápidas, decepcionantes. Lembrando que me refiro apenas às 4 séries super sentai exibidas no Brasil, que eu assisti.

  5. Olá.

    Um reparo: A primeira grande série Sci fi foi ULTRASEVEN. Ultraman tinha elementos de ficção científica e havia aliens invasores. Porém, foi com Ultraseven que a temática espacial veio mais intensa. Havia invasores espaciais de todo tipo e os humanos eram vistos muitas vezes como uma ameaça, não vítima inocente.

    E havia dilemas complexos, como quando surge uma cidade espacial em rota de colisão com a Terra. Ultraseven derrota o alien enviado para explodir a Terra e permite que os humanos destruam a cidade espacial. Ele escolheu que uma civilização sobrevivesse e outra morresse. Muitos episódios apresentavam nuances somente percebidas por adultos.

    Gavan pode ter tido impacto para você e toda uma geração, mas não se pode dizer que foi a primeira grande série a abraçar a ficção científica. Esse mérito é de Ultraman e, principalmente, Ultraseven, mesmo que as gerações atuais achem isso lixo a ser ignorado. Conhecer História é importante quando a proposta é discutir elementos teóricos.

    Desculpe a intromissão. Sua escrita é muito boa, mas gostaria que buscasse assistir os clássicos, essenciais para entender o gênero tokusatsu como um todo.

    Abraço!

  6. Luciano disse:

    Alexandre Nagado sempre sendo o Lion do tokusatsu: Uma visão além do alcance.

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