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Corpo e alma [Crítica com spoilers]

Júlio Ashram 6 anos ago 0 7

Com direção da húngara Ildiko Enyedi, Corpo e alma conta a história de dois personagens que trabalham em um matadouro bovino e acabam se apaixonando. Mas, a forma não é, de longe, aquela genérica que estamos acostumados a ver em filmes do gênero. A obra faz uso de algumas imagens de animais que servem como metáforas para a narrativa. O boi, claro, é mostrado em algumas cenas de abatimento, além de sua industrialização e o cervo, em contraponto, sempre é mostrado em cenas de liberdade, correndo pela floresta.

Os protagonistas são Endré (Géza Morcsányi), o diretor financeiro da empresa que, na casa dos sessenta anos, tem um braço paralisado e se mostra sempre calmo, compreensivo, mantendo um ótimo relacionamento com os colegas e Mariá (Alexandra Borbélv) é muito introspectiva, com trejeitos quase robóticos, fria e que não demora muito para virar motivo de piada entre os demais funcionários.

Após um incidente na empresa, Endré e os demais funcionários são obrigados a fazer  uma “vistoria psicológica”, para tentar identificar quem roubou um estimulante sexual dos animais e, a partir daí, ficamos sabendo que os dois protagonistas tem os mesmos sonhos recorrentes um com o outro, noite após noite, mesmo sem terem nenhum convívio fora do ambiente de trabalho. Isso leva a algumas interpretações, desde a vida vivida em sonhos, desejos inconscientes ou até mesmo projeção de algo escondido entre eles. Esses sonhos tem papel fundamental na trama uma vez que são usados como estratégia narrativa para sabermos mais sobre cada personagem.

Mesmo com alguns problemas de ritmo, a narrativa funciona muito bem, fazendo o espectador conhecer ainda mais os personagens e seus dramas e, nesse ponto, é interessante ressaltar que quase todas as cenas nas quais estão juntos, os dois estão aparentemente felizes, o que não acontece quando são mostrados sozinhos.

Durante essa apresentação desapressada dos personagens, conhecemos o sério problema de conviver em sociedade que acomete Mariá, que faz tratamento ainda com o mesmo psicólogo desde a infância e que, por duas vezes, sugere que ela converse com um profissional que atenda adultos. A solidão construída para os dois sufoca o espectador a ponto de nos fazer realmente torcer para que fiquem juntos.

O filme aborda ainda temas como depressão, síndrome do pânico, TOC e ansiedade. Em uma tentativa de se livrar desses transtornos, Mariá chega a tentar suicídio após um desentendimento com Endré. Da mesma forma, em uma metáfora de “acordar” do sonho que já não traz mais alegria e sim tristeza, Endré também cogita tirar a própria vida.

Outro ponto sincero da obra é que ela não busca uma fórmula magica para apresentar ao público um casal feliz no desfecho, o que fica bem evidente na cena em que os dois se envolvem em uma relação sexual porém, Mariá continua imóvel, parecendo não estar gostando, apesar de estar feliz por estar ao lado da pessoa que ama. Endré, por sua vez, sabe como ela é e, o mais bonito disso é que ele não tenta mudá-la e também se mostra feliz por estar ao lado dela. Depois disso, os sonhos acabam.

Devo acrescentar que, em certos momentos, há uma perda de ritmo, além de algumas subtramas de personagens secundários que não acrescentam absolutamente nada para a narrativa. A fotografia é muito bonita, especialmente nos momentos em que ilustra os sonhos dos personagens, alterando entre a palheta cinza em algumas cenas com outras bem coloridas.

O filme é sensível, honesto, forte, pesado e até mesmo engraçado. Uma excelente opção para sairmos um pouco das produções hollywoodianas e apreciar a riqueza do cinema europeu.

 

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