Kanpai Senshi After V: Um tokusatsu à mesa

Texto originalmente publicado no Henshin Journey por Rafael de Jesus

Quando vi anúncios sobre Kanpai Senshi After V (Guerreiros do Happy Hour Depois das Cinco), criei grande expectativa, já que se tratava da tokucomedy de 2014 da TOEI, e soou como um projeto similar a Hikonin Sentai Akibaranger, uma paródia de Super Sentai que fez muito sucesso e conquistou o público dentro e fora do Japão (incluindo quem vos fala).

Visualmente, ainda em sua fase promocional, Kanpai Senshi parecia uma paródia escrachada do gênero Super Sentai, sem nenhuma unidade dramática séria ou inteligente. (Akibaranger era uma comédia, mas tinha um núcleo dramático minimamente sério que sustentava a trama principal). Não a julguei plenamente neste momento, decidi esperar, mas ainda confiava que seria algo ao nível de Akibaranger.

Quando assisti ao primeiro episódio, veio a decepção. Cinco heróis coloridos do governo combatem uma organização criminosa, e a série é sobre o que eles conversam no bar, após o expediente. Suas reuniões no bar tornam-se mais conhecidas que seus triunfos nas batalhas.

Algo totalmente diferente de Akibaranger ou qualquer coisa similiar a tokusatsu que eu tenha visto antes. Continuei a assistir, levei da melhor forma: é uma tokucomedy bem leve, que serve no mínimo como válvula de escape diante de tantos tokusatsus dramáticos que vejo durante a semana.

99% das cenas se passam à mesa, com os cinco sentados, comendo, bebendo e conversando. É de deixar qualquer fã de tokusatsu indignado e o fazer jamais querer ouvir falar em tal série. Mas o ouro desta produção está no que eles conversam. Eles contam causos envolvendo o trabalho deles como heróis, que você não imaginaria ouvir de guerreiros “sérios” como os Changeman.

Eles também são seres humanos, logo, farão coisas que qualquer um faz, como jogar bituca de cigarro no chão (só que, neste caso, dentro do robô gigante), ter crises existenciais (“vocês percebem que são super heróis?”), sentir inveja (da nova membro feminina do grupo), perder algo importante (como o bracelete de transformação), etc. Eles conversam sobre o confronto do dia, as dificuldades da batalha e vão desabafando sobre os problemas que lhes ocorrem.

Não vemos uma única cena de luta (a não ser no episódio final, mas nada de espetacular), uma faísca ou explosão (a não ser na abertura). A narrativa esperada de um tokusatsu (com os confrontos explosivos) tem suas imagens construídas no nosso imaginário a partir do bate-papo dos heróis. A partir do discurso, é construída uma imagem humana deles, seus defeitos e falhas, seus modos de julgamento e percebemos que é tudo isso que os torna heróis possíveis (e não românticos e lendários), não infalíveis, mas com um senso de um indivíduo comum e ingênuo que decide combater o mal, mesmo sabendo das suas limitações e que, às vezes, acabarão não se concentrando na luta e ficarão pensando naquela rodada de chopp mais tarde.

O arco narrativo principal da série [descrito verbalmente episódio por episódio] não é diferente de outros Sentais: combater cada subcomandante enviado pelo chefe maior da organização criminosa, enfraquecendo-o ao ponto de só sobrar o líder na batalha final, na conclusão da série. As conversas são entrecortadas por cenas do líder da organização do mal (que é cozinheiro no bar que os heróis frequentam) e seu ajudante, e garçom do lugar.

Um disfarce perfeito para espionar os senshis e descobrir algo relevante para usar contra eles numa próxima batalha. As revelações que os Kanpai Senshis fazem de si mesmos no primeiro episódio já são suficientes para que o grande vilão use-as como arma contra eles. Porém, quanto mais ele aprende sobre os heróis, mais ele recua, como se de alguma forma se afeiçoasse por eles, e evitasse um embate direto, pelo menos naquele local.

Outro núcleo da série é a relação do chefe com o garçom, que é também membro da organização criminosa. Diversas atitudes do chefe para com ele demonstram afeto, mas nunca admitido. O Blue descobre que o cozinheiro é o algoz maior. De forma discreta, começa a espioná-lo e percebe esse lado mais humano do general do mal.

Aproximando-se do desfecho da série, que possui somente 12 episódios, a organização criminosa entra em crise, não há mais monstros para enviar, logo, não há mais ameaças e os Kanpai Senshi não serão mais necessários. Os heróis ficam tristes pelo fato de que não lutarão mais, que o sentido da vida deles terá de ser outro daqui pra frente. Eles decidem abrir mão das valiosas jóias em seus uniformes para que o chefe do mal possa reerguer sua organização e assim os Kanpai Senshis podem voltar a lutar e não precisarão pôr fim aos dias de glória.

O gesto dos heróis para que ambos os lados continuem a existir a fim da trama continuar, é similiar ao antecessor Akibaranger, quando o grupo, já tendo percebido que está numa série de televisão e que o criador colocará um fim em breve, fazem um acordo com a vilã para que a trama continue e a série não seja cancelada, mantendo um confronto, mesmo que de fachada, para tentar driblar o criador.

Kanpai Senshi After V é uma série sobre colegas de trabalho que compreendem que não dividem só a atividade laboral, mas também as alegrias e os momentos tristes, buscando a melhor forma de encará-los ao final do dia. Eles descobrem que pela Justiça vale a pena brindar.