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Além da Escuridão – Star Trek [Crítica]

Alexandre Landucci 11 anos ago 1 2

star_trek_into_darkness_xlgAlém da Escuridão – Star Trek
(Star Trek – Into Darkness, 2013)

Ação/Aventura – 132 min.

Direção: J.J. Abrams

Roteiro: Roberto Orci, Alex Kurtzman e Damon Lindelof 

com: Chris Pine, Zachary Quinto, Benedict Cumberbatch, Zoe Saldana, Simon Pegg, John Cho, Karl Urban, Anton Yelchin, Peter Weller, Alice Eve

crítica: Alexandre Landucci

O que faz um excelente blockbuster? Existe alguma fórmula para que uma produção que tem como alvo a pura e descompromissada diversão (em primeiro momento) consiga verdadeiramente se destacar? Qual a formula mágica que parece ter JJ Abrams, que em suas produções para o cinema (a saber Missão Impossível 3, Star Trek, Super 8) ainda não errou a mão. Por maiores discussões que se possamos ter sobre uma escala de qualidade em seus filmes e o seu fetiche incorrigível pelo uso de flares de maneira industrial, pra mim fica claro que o sujeito sabe – como poucos – contar uma historia de maneira satisfatória para o público. Seja ele o comedor de pipoca, o cinéfilo regular, o especialista chato ou o especialista chato e pago (meu caso).

Além da Escuridão – Star Trek acerta em muitos aspectos. No mais raso e óbvio, é um excelente blockbuster. O melhor da temporada até aqui. Elétrico desde o primeiro segundo, com sequências de ação mais do que inspiradas, uma qualidade na construção de mundos precisa e a sensação de estarmos dentro de uma gigantesca montanha russa que brinca – sem pudor – com nossas emoções. Mas também acerta (e muito) quando estabelece relações com a serie de TV original e coloca por trás de tantos flares, explosões e grandes sequências de ação, algo a ser discutido, como a serie criada por Gene Roddenberry conseguia fazer. A ficção cientifica de Star Trek, muito mais do que um retrato de um futuro distante e utópico, é uma crônica de seu tempo e utiliza da metáfora que a ficção proporciona para se posicionar e debater sobre os assuntos palpitantes de sua contemporaneidade, nesse caso especifico, o terrorismo e suas formas de combate.

Ancorado por um tremendo vilão, o misterioso Harrison, a produção é engenhosa ao deixar na penumbra as verdadeiras intenções de seu antagonista por boa parte do filme. Por outro lado, é inteligente ao ir revelando aos poucos os planos do vilão, de forma sutil evitando o plot twist final e ajudando ao espectador a compreender aquele sujeito misterioso e suas intenções. Benedict Cumberbatch faz de seu personagem, um vilão icônico, sem ter medo algum de parecer exagerado nas palavras. Acertando em cada aspecto básico da composição de personagens, Benedict o faz ameaçador – como todo grande vilão deve ser – mas sem deixar de emocionar o espectador a ponto dele quase (eu disse, quase) torcer para que ele consiga cumprir seus objetivos. Sem deixar o personagem cair na caricatura, consegue de forma visceral tocar o espectador sempre auxiliado por sua sorumbática voz, que consegue dar gravidade até mesmo se estiver a serviço da leitura de uma bula de remédio. Abrams, sabe do potencial de seu vilão e de seu interprete e por isso não se furta ao destacar sempre que pode seu antagonista.

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Abrams dá um passo além do que havia feito em seu primeiro Star Trek e insere uma quantidade generosa de novas referências a serie clássica e aos filmes com a tripulação original, sem no entanto parecerem vazios ou perdidos. Cada referência acaba funcionando a serviço da trama e sem ter muito medo de ser ousado e “ofender os puristas” redimensiona e altera completamente uma das mais importantes sequências dos filmes originais. Entre essas referências (que posso falar sem estragar a diversão do pessoal) estão à presença dos Tribbles (aqueles bichinhos peludos que infernizaram a tripulação clássica em um dos episódios mais famosos da serie), a aparição de uma civilização das mais tradicionais e importantes na mitologia da serie (com um visual renovado e bem próximo a visão – sem recursos – dos anos 60) entre outros detalhes bacanas e que estão organicamente integrados a trama, não servindo apenas para a diversão eventual dos fãs.

Mais, o mais importante e que faz esse novo Star Trek se destacar frente a outros muitos blockbusters é o cuidado com que o roteiro de Roberto Orci, Alex Kurtzman e Damon Lindelof (sim, estou elogiando o mestre dos conceitos geniais e finais trágicos) trata a ação, a interligação dos eventos do filme e seus personagens. É um salto enorme entre o que víamos em Star Trek de 2009 e este novo filme. Se alguns personagens perderam espaço como Chekov e Sulu e mesmo Uhura, a interação entre Kirk e Spock nunca esteve mais afiada.

A partir de um evento que dá o pontapé – em alta velocidade – a trama, fica clara a diferença entre a forma de lidar com as situações que os dois protagonistas tem. E é nessa disputa que está o segredo e a força do filme, que mesmo com muita ação, não esquece dos seus personagens. Kirk, mais cafajeste do que nunca, continua o sujeito arrogante e que acha que pode dobrar as regras a seu bel prazer. Porém, é um sujeito justo, que apóia e defende seus companheiros e amigos com a mesma paixão que encara duas gêmeas alienígenas com rabinho de gato ou “seca” de maneira nada discreta a jovem doutora Carol Marcus (Alice Eve, que é apenas uma decoração bonita na trama).

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Spock por sua vez, é o personagem mais complexo de todo o universo Star Trek e isso fica claro nesse filme, já que o vulcano vive dividido entre seus valores vulcanos e a sua metade humana. Sim, esse foi o mote do primeiro filme, mas aqui isso ganha ares de dramaticidade muito mais intensos, com um frenesi violento no ato final que coloca o personagem em um outro prisma para uma eventual sequência.

Chris Pine consegue seu melhor desempenho na carreira e mesmo que ainda seja no fundo um canastrão (assim como William Shatner) consegue transmitir fragilidade ao seu capitão quando se percebe sem forças para enfrentar os perigos que arrogantemente levou sua tripulação a enfrentar. Também acerta ao ir do prisma do frágil e arrogante à herói acidental que precisa assumir de fato sua condição de comandante. Quinto entrega outra bela interpretação de Spock, um homem marcado pela dualidade e que expressa sua “humanidade” quando enxerga aqueles que ama (ou o equivalente vulcano) em apuros. Não é a toa que diante de uma ameaça grosseira que vem do lugar que deveria servir como santuário daqueles viajantes do espaço e tendo que enfrentar a perfeição física e intelectual de Harrison, sua dualidade tem enormes dificuldades em racionar. Se o coração o impele a um confronto visceral e violento, sua racionalidade o controla e o transforma em articulador das estratégias da tripulação da Enterprise.

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Quem ganha muito espaço na trama é o coração da nave, Scott (Simon Pegg) que serve como primeiro aviso de que “algo está podre no reino da Federação”. Servindo como um (ótimo) alívio cômico constante, Pegg tem espaço para se divertir em meio à trama que é basicamente séria e que tem algo a dizer. Karl Urban (que parece ter achado um personagem perfeito para si), faz de McCoy ainda mais rabugento do que víamos na aventura anterior. Sempre descrito (e interpretado por DeForrest Kelley) como o equilíbrio entre a paixão de Kirk e a frieza de Spock, sua atuação na trama é cirúrgica e eficiente, como bom médico. Urban ainda desfila frases de efeito divertidas e ao lado de Pegg equilibram a balança a serviço do “time do humor”, já que a trama por mais engajada que tente ser, não se esquece de que é um filme de verão e precisa divertir a platéia.

Outra adição excelente ao elenco é o sempre interessante Peter Weller, que faz do comandante Marcus, um homem austero, que não faz muita questão de andar pelos caminhos da legalidade para conseguir o que quer. Essa zona sombria que faz parte de sua vida é o que move o personagem e o transforma em um sujeito tridimensional, que apesar de (ligeiro spoiler) agir de forma condenável e absurda, tem uma justificativa que não difere de muitos líderes mundiais por aí.

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Para dizer que Star Trek não é perfeito, Abrams continua com sua irritante mania de usar o flare a todo o momento, irritando o espectador. Isso parece ser uma assinatura do diretor que espero ver diminuída ao limite da inexistência em vindouros trabalhos. O roteiro da produção acerta ao não deixar as pontas soltas (o que evita a continuação banal), mas sabe que está abrindo as portas para uma franquia – muito mais do que o Star Trek original havia conseguido. Por isso, o filme é tão maior do que o anterior. Por isso, os muitos cenários, a ação que se passa em diversos planetas e que dá igual importância ao que acontece em terra e no espaço.

Uma das críticas à serie é que ela era basicamente apresentada em um mesmo cenário por boa parte dos episódios. As sequências em solo eram sempre deixadas de lado, diante das aventuras na ponte de comando. Abrams, para desespero dos puristas, colocou um tanto de “fantasia espacial” no caldo da ficção científica mais cabeça do mundo criado por Roddenberry. É muito válido, já que as características da serie continuam lá e se ganha uma possibilidade de ir além e explorar outro lado dos conceitos que até então víamos muito pouco, mesmo nos filmes que abordavam a tripulação clássica ou a Nova Geração.

Muito mais ousado, e sem medo de desvirtuar (ainda mais) a mitologia da serie, Abrams apostou e ganhou. Manteve aquilo que essencialmente fazia de Star Trek, um mundo diferente, onde a utopia venceu e os conflitos são decididos pela argumentação e inteligência e coloriu os momentos de pasmaceira com a energia daquela galera dos sabres de luz, conseguindo a proeza de reunir em um mesmo recipiente a fluidez da água e a efervescência do óleo e apresentar o mais retumbante e glorioso blockbuster da temporada 2013 até aqui. Vida (muito) longa e próspera.

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Dizem que é crítico de cinema, dizem que é um cara legal e dizem também que pode ser bem ranzinza. Outros, no entanto, dizem que "as vezes" ele acerta no que fala, enquanto outros - ele deve pagar essas pessoas - gostam do trabalho dele. Fã de Galactica, Doctor Who, Hayao Miyazaki, David Cronenberg, Dario Argento, Orson Welles, Grant Morrison, Neil Gaiman e comprador compulsivo de filmes.

1 Comment

1 Comment

  1. Kawassaki disse:

    Boa crítica Alexandre! Dá pra perceber que voce sabe do que está falando. Star Trek é uma grande série e merece ter uma franquia estabelecida no cinema. Este filme só comprova isso. Ansioso pra assistir.

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