Menu

Django Livre [Crítica]

Alexandre Landucci 11 anos ago 0 100

django_unchained_ver2_xlgDjango Livre
(Django Unchained, 2012)
Western – 165 min.

Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino

com: Jamie Foxx, Leonardo DiCaprio, Christoph Waltz, Samuel L. Jackson, Kerry Washington

Crítica: Alexandre Landucci

Reclamar de “tarantinisses” em um filme do próprio é bobagem. Por isso, aviso que não entrarei no coro dos que não veem “realismo histórico”, “veracidade nos fatos”, “desvirtuamento de valores” e tudo mais que foi dito há quatro anos atrás quando o diretor brincou de guerra em seu Bastardos Inglórios. Prefiro me ater ao fato de que é inacreditável perceber que mesmo criando as obras mais cheias de referências que um cineasta pode produzir, e, portanto, deixando “de lado” a originalidade, Quentin Tarantino assina a ferro e fogo cada uma de suas obras com uma contundência impar. Bastam muito poucos frames de exibição para notarmos que estamos no “mundo mágico” de Tarantino, onde referências e misturas exóticas permeiam o caminho.

Django Livre não é exceção, de fato, acho que nem mesmo em Kill Bill as transgressões cinematográficas foram tão agudas quanto aqui. Se no filme da Noiva, ele usou dos filmes de kung fu B para tratar de vingança, aqui ele é ainda mais ousado, usando um spaghetti western para transformar um escravo negro em “herói” e maior assassino do Oeste.

Nos Estados Unidos o filme foi acusado de racista pelo uso da apalavra nigger (que a gente pode traduzir livremente como “crioulo”), que é verborragicamente dita durante boa parte do filme. Aqui faço uma defesa de Quentin. Acho, ou melhor, tenho quase a certeza de que aqueles que acusam o filme de ser racista não o assistiram, pois se assistissem somente aos primeiros dez minutos notariam exatamente o oposto disso. Explico: ao som do tema de Django (o mesmo composto na década de sessenta para o filme original italiano), vemos uma fila de escravos caminhando seminus pelas “estradas” de pedra e terra embaixo de sol, chuva e frio, sendo escoltados por seus donos.

A noite cai, e vemos uma carroça com um ridículo dente preso ao seu teto parar e após apresentações, conhecemos o Dr. King Schultz (Christoph Waltz) que está à procura de escravos que moraram em uma determinada fazenda. Após uma ligeira conversa, Schultz revela ser muito mais do que um sujeito empolado de fala mansa e “dentista” como acusava sua carroça, é também um matador que leva um dos escravos (o nosso herói Django) que havia dito que conhecerá a fazenda e seus moradores. Pois bem, e ai a coisa fica perigosa para os amantes da história “esse filme é racista”. Waltz dá duas opções aos escravos ali presos. Levar um dos homens atingidos pela fúria de Schultz (como eu disse ele é um matador) até um médico e voltar ao cabresto ou… acho que entenderam. Liberando a fúria homicida de anos de abusos e flagelos, o que fazem os escravos? Acho que vocês podem imaginar.

django001
Talvez, no contexto histórico e social americano, o uso excessivo da palavra realmente funcione como gatilho racista, mas, por favor, vamos entender a historia envolvida. Todos aqueles que usam a palavra nigger são mostrados como salafrários, bandidos, canalhas, estúpidos e que não merecem viver. Tarantino não glorifica a palavra, apenas mostra que por meio dela podemos exemplificar a ignorância de que a profere com tanta virulência.

Django Livre acompanha a dupla mais insólita de caçadores de recompensa (a “profissão” adotada pelo imigrante alemão vivido por Christoph Waltz) que se afeiçoa ao parceiro Django e decide ajudá-lo em seu plano de vingança, o que leva o filme muito próximo das suas origens italianas. Longe de ser um western sobre redenção humana, ou com comentários sociais (apesar da sacada de fazer do herói um escravo é ótima), Django é um romance, por mais torto que pareça. Django quer encontrar Brunhilda (Kerry Washington) sua esposa, que foi separada dele e hoje permanece perdida. Brunhilda, a valquíria de ébano que fala alemão fluente e que tem a personalidade forte como a de uma besta nórdica.

E é nesse clima irônico e violento que Django segue, com suas escravas que falam alemão, fazendeiros brancos que discutem pela dificuldade de enxergarem com sacos de pano mal costurados sobre os rostos (na cena mais engraçada do filme, e das mais engraçadas da carreira de Tarantino), um herói vestido de valete renascentista andando a cavalo, uma luta entre escravos sobre o chão de madeira, um ataque de cachorros a um pobre coitado que tentou fugir de sua condição e é claro, tiroteios, explosões e tudo mais.

django002
Django tem problemas, no entanto, especialmente em seu segundo ato quando parece que Tarantino quis esticar ao máximo a sensação de suspense (que não é eficiente), tornando muito longos certos diálogos, embora elas sejam estilisticamente muito bem realizadas. É o caso da citada cena dos capuzes, que é longa demais, embora muito boa.

Jamie Foxx é um Django digno. Um homem que aprende um ofício e se transforma em um verdadeiro azougue no que se propõe a fazer. Foxx está intenso, fisicamente impecável e acertando até em detalhes de composição muito sutis como sua constante sensação de tensão, que só é deixada de lado no glorioso ato final. Já Christoph Waltz, embora seja impossível negar seus acertos como o calhorda polido e talentoso, parece demais uma versão mais velha (dado o momento histórico em que o filme se passa) de seu coronel Landa de Bastardos Inglórios. Certas sutilezas de interpretação, a constante polidez de suas palavras, a sua educação cirurgicamente pensada e sua frieza em executar seus inimigos são a mesma do brilhante vilão do filme de 2009.

Quem rouba a cena é a dupla Samuel L. Jackson e Leonardo DiCaprio, como um – aparentemente – velho escravo bajulador e um fazendeiro sádico, respectivamente. Jackson, brilhantemente caracterizado é impagável como o cruel e hilário senhor sem papas na língua, chocado por ver um negro em posição diferente do que a de escravo, mas que durante a produção vai se revelando um líder, amargo e violento. E DiCaprio, segue a linha de Waltz, só que sem a aura de “nobreza” que o Dr. Schultz transparece. Sua personagem é sedutora, aparentemente gentil, mas raivosa em sua essência e isso fica muito claro quando sua paciência se encerra.

django003
Django é uma aula de estilo, embora ele não tente emocionar o público, mas sim entretê-lo, diverti-lo com seus excessos e mesmo com seus erros. Tarantino é uma auto-referência humana, um sujeito verborrágico que fez de seu cinema seu agradecimento àqueles que o inspiraram, tornando difícil imaginar um filme tarantinesco em que nos sintamos tocados emocionalmente por uma história (embora isso acabe acontecendo em Bastardos Inglórios e em Kill Bill).

Isso não impede de que uma produção do diretor seja uma experiência cinematográfica satisfatória. Se ele não atinge o público pela emoção, o faz pelo humor, já que é impossível não se divertir em Django Livre. Além das atuações que estão perfeitas para o clima do filme, ele ainda é inteligente em suas homenagens (Franco Nero, o Django original faz uma ponta) e no uso sempre certeiro da trilha sonora. Afinal, só em um western de Tarantino veríamos soul music e hip hop quando uma procissão cavalga pelas estradas do sul dos Estados Unidos.

Django Livre não é um remake de Django, nem um faroeste histórico ou uma denúncia social contra o racismo, mas outra brincadeira de Tarantino com sua enorme biblioteca de referências. Um pouquinho arrastado demais, com um roteiro que estica demais certos momentos, mas uma aula de estilo e de criatividade visual. Que venha seu filme sobre alienígenas, fantasmas ou qualquer coisa do gênero.

– Advertisement – BuzzMag Ad
Written By

Dizem que é crítico de cinema, dizem que é um cara legal e dizem também que pode ser bem ranzinza. Outros, no entanto, dizem que "as vezes" ele acerta no que fala, enquanto outros - ele deve pagar essas pessoas - gostam do trabalho dele. Fã de Galactica, Doctor Who, Hayao Miyazaki, David Cronenberg, Dario Argento, Orson Welles, Grant Morrison, Neil Gaiman e comprador compulsivo de filmes.

Leave a Reply

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

– Advertisement – BuzzMag Ad